Armas
Pistolas Parabellum (Luger) – Parte I
Escrever sobre a pistola Parabellum é mais ou menos como versar sobre algum mito histórico, um importante e carismático líder mundial ou um grande artista da antiguidade. É enorme a quantidade de obras já escritas sobre essa arma, bem como centenas de artigos espalhados por essa poderosa mídia, que é a Internet. Porém, neste nosso trabalho sobre armas históricas, não poderia faltar algo que a homenageasse e divulgasse ainda mais a sua importância no cenário mundial das armas de fogo portáteis.
Escrever sobre a pistola Parabellum é mais ou menos como versar sobre algum mito histórico, um importante e carismático líder mundial ou um grande artista da antiguidade. É enorme a quantidade de obras já escritas sobre essa arma, bem como centenas de artigos espalhados por essa poderosa mídia, que é a Internet. Porém, neste nosso trabalho sobre armas históricas, não poderia faltar algo que a homenageasse e divulgasse ainda mais a sua importância no cenário mundial das armas de fogo portáteis.
A Parabellum foi, sem sombra de dúvida, uma das pistolas semi-automáticas mais difundidas e utilizadas em todo o mundo na primeira metade do século passado, sendo que essa grande aceitação gerou uma infinidade de variações. Essas chamadas variações não são, na verdade, modificações físicas no projeto e sim, pequenos detalhes que eram solicitados pelos países que firmavam os contratos, efetuados principalmente com a maior e mais importante fabricante da pistola: a Deustsche Waffen und Munitionsfabrik (D.W.M.). No decorrer do artigo entraremos em mais detalhes sobre essas variações, pelo menos sobre as mais importantes delas.
No espaço que pretendemos usar aqui, seria humanamente impossível descrever na íntegra e com detalhes todas as variações conhecidas, o que tornaria o presente artigo extremamente cansativo e longo demais. Algumas das mais importantes publicações que recomendo ao leitor que pretende se aprofundar mais nas intrincadas versões desta arma são: The Luger Pistol, 1962, Fred Datig – Lugers at Random, 1969, Charles Kenyon, Jr. – Lugers Tips, 1992, Michael Reese II, Luger: An illustrated history of the handguns of Hugo Borchardt and Georg Luger, 1875 to the present day, 1977, John Walter e Standard Catalog of Luger, 2006, Aarron M. Davis. Essas publicações serviram de base para este artigo.
Muito do que se conhece hoje sobre essa fascinante arma se deve à figura de August Weiss, que trabalhou com Georg Luger na DWM, em Berlim. Depois, em 1930, foi para Oberndorf, onde se tornou o chefe de operações da Mauser até 1948, quando colaborou para a liquidação da empresa no período de ocupação aliada. Sob a gerência dele, de 1930 em diante, a Mauser produziu quase um milhão de pistolas Parabellum. Weiss era conhecido como uma figura de homem discreto, afável, de fala calma e de educação esmerada, o que conquistou a admiração de todos seus funcionários e amigos.
Felizmente para nós, Weiss deixou um legado de registros históricos tanto da D.W.M como da Mauser, o que foi de uma utilidade impressionante para historiadores levantarem seus dados sobre a pistola Parabellum e a Mauser C96. Foi baseado em suas informações que a maioria dos autores de livros sobre essas duas armas se alicerçaram, até mesmo com entrevistas pessoais.
Nesta foto tirada em Berlim, em 1958, vemos o filho de Georg Luger, Georg Luger II e sua filha Elizabeth, ladeando Fred Datig, autor do livro The Luger Pistol. À direita, Herr August Weiss.
August Weiss faleceu em 1980 e foi enterrado não muito longe da fábrica da Mauser, perto do rio Neckar; viveu, portanto, até poder assistir ao renascimento da pistola Parabellum, em 1970. Tristemente, 25 anos após sua morte, em 2005, seus restos mortais foram removidos do local de origem para destino desconhecido, pois não havia mais ninguém que pagasse as taxas devidas de seu túmulo. Dedico aqui, pois, e com grande prazer e respeito, esse meu artigo como tributo à figura de Herr August Weiss.
A PISTOLA BORCHARDT C93
Hugo Borchardt (pron. Bork-hardt), nascido em 1844 em Magdeburg, Alemanha, formou-se em engenharia mecânica e em 1860 resolveu trabalhar nos Estados Unidos, na época um país em franca expansão industrial. Em 1872 tornou-se superintendente da Pioneer Breech-Loading Arms, mudando-se depois, em 1874, para a Singer Sewing Machine Co., fabricante de máquinas de costura. Posteriormente, trabalhou para a Colt Firearms, para a Winchester Repeating Arms e finalmente, em 1876, tornou-se superintendente técnico da Sharps Rifle Co. Em 1881 a Sharps vai à falência e Borchardt resolve retornar à Europa, mais especificamente para a Hungria, onde torna-se diretor da Real Fábrica de Armas da Hungria, em Budapeste. Enquanto vivia na Hungria, casou-se com Aranka Herczog.
De 1890 a 1892 retorna aos USA, onde acabou requerendo cidadania, e ajudou a Remington Arms no desenvolvimento do fuzil Lee, destinado aos testes do Exército Norte Americano. De volta à Europa, se estabelece na Alemanha, na Ludwig Loewe, de Berlim, onde passa a se dedicar integralmente a desenvolver uma pistola semi-automática. Baseado em um sistema de travamento de culatra por “ação de joelho” (toggle-joint), similar ao empregado por Hiram Maxim em sua recentemente inventada metralhadora, projeta e patenteia o que seria a primeira pistola semi-automática a ser produzida em série com sucesso comercial. Apesar de sua aparência estranha e desajeitada, granjeou uma certa reputação no mercado civil, mas não despertou o interesse dos militares, como era a intenção do fabricante. A pistola se denominava oficialmente de Selbstladepistole C93.
À esquerda os cartuchos 7,65mm Borchardt e seu sucessor 7,65mm Parabellum
Para essa arma Hugo Borchardt desenvolveu um novo cartucho, denominado de 7,65mm Borchardt (7,65x25mm), cartucho esse que foi o precursor do famoso 7,63x25mm Mauser, usado nas pistolas Mauser C96. A pistola era fornecida com uma coronha de madeira, que se encaixava na parte posterior da arma e firmemente presa por um parafuso. O cano era bem longo, com 165mm de comprimento e o fabricante estimava o alcance útil da arma, com a coronha adaptada, em cerca de 700 metros, algo que, convenhamos, era por demais otimista.
Entretanto, apesar de ter ocorrido um relativo sucesso nas vendas, a Ludwig Loewe logo enxergou que a arma necessitava passar por uma remodelação, para poder, inclusive, atingir o mercado militar, a meta principal do fabricante. O projeto tinha diversos problemas a serem resolvidos, sendo o mais sério deles o alto custo de manufatura, devido às intrincadas operações de usinagem.
A empunhadura também era excessivamente posicionada em um ângulo quase reto em relação à armação, o que aliado à uma grande protuberância posterior, onde se alojava a mola recuperadora, deixava a arma bem desajeitada e desbalanceada. Porém, o projeto contemplava soluções avançadas, dentre elas o posicionamento do carregador destacável no interior da empunhadura (a primeira pistola semi-automática a empregar essa solução) e uma trava de segurança eficiente, além de uma possuir uma precisão de tiro inegável.
Essa era uma configuração muito comum da comercialização da pistola – um conjunto composto de quatro carregadores, um carregador “dummy” (só para manuseio), coldre de couro, coronha de madeira e ferramentas adicionais para desmontagem e limpeza. Conjuntos como esse acima, valem e são arrematados em leilões nos USA por valores que beiram os US$ 50,000.00
A pistola Borchardt de 1893 (C93), em calibre 7,65mm, com sua coronha montada
Até o ano de 1896, a Loewe fabricou cerca de 400 pistolas, armas essas que contavam com uma gravação do nome da empresa sobre a câmara e a frase System Borchardt Patent sobre a lateral da armação. Neste mesmo ano, a Ludwig Loewe, juntamente com a Deutsche Metallpatronenfabrik Lorenz se uniram para formar uma nova empresa, mudança essa implementada por Isidor Loewe, pois seu irmão Ludwig já havia falecido. Assim, surge a Deutsche Waffen und Munitionsfabrik, a famosa D.W.M. Com essa nova marca, foram fabricadas aproximadamente 3.000 pistolas, um impacto comercial muito maior do que havia conseguido a sua única arma rival da época, a pistola Schönberger.
Acima, a pistola Borchardt C93
A pistola Borchardt era vendida nos Estados Unidos, no início do século XX, por cerca de US$ 30,00, considerado um valor bem alto para uma arma nesta época, em um conjunto composto de coronha de madeira, coldre em couro, três carregadores sobressalentes e um carregador falso, de madeira, para manutenção e limpeza, mais ferramentas e lubrificantes. Por US$ 5,00 a mais o proprietário levava uma mala de couro forrada em veludo. Infelizmente poucos desses conjuntos completos se encontram hoje em dia. O importador oficial era a empresa Hermann Boker & Co., de New York. Mr. Hans Tauscher era o representante da D.W.M. e futuramente se tornou agente e importador da Borchardt e da Parabellum para os Estados Unidos, Canadá e México.
Acima, patente de um protótipo de Borchardt, datada de 1896, com algumas modificações no projeto original. As famosas rodilhas (g) do ferrolho, destinadas à servir de apoio aos dedos para abrir a culatra surgem pela primeira vez, ao invés de uma estranha alavanca lateral vista na foto abaixo. Note também o cano um pouco mais curto.
Pistola C93 vista por cima, onde se nota a estranha alavanca de ferrolho, do lado esquerdo da arma
Entretanto, apesar das antigas pressões da Loewe de que a arma deveria ser modificada, Hugo Borchardt se recusou a fazer alterações em um projeto o qual ele julgava ser perfeito. Diferentemente da época da Loewe, agora, a D.W.M. estava nas mãos de outros investidores e proprietários e essa pressão aumentou, a ponto da diretoria da empresa entregar o projeto nas mãos de um outro promissor engenheiro, Georg Luger (pron. Guê-órg Luguer), então consultor técnico da empresa, que recebeu a missão de desenvolver modificações no projeto original da arma. Resumindo, a configuração mais comum oferecida era com cano de 6 1/2 polegadas, carregador para 8 cartuchos calibre 7,62mm. Há indícios, não perfeitamente comprovados, de que podem ter sido produzidas algumas unidades em 7,65mm Parabellum e talvez uma só produzida em calibre 9mm Borchardt, um cartucho também do tipo “garrafinha”.
Raríssimo espécime da primeira versão da pistola Borchardt C93, com talas lisas e mola em lâmina do “sear” fixa por parafuso; armas como essa atingem cotações em leilões no mercado norte-americano na faixa de US$ 40 a US$ 60 mil dólares.
Georg Johann Luger havia nascido em Steinach am Brenner, Tyrol, Áustria, no ano de 1849 mas foi educado em Padua, na Itália, em virtude de sua mãe ser italiana. Após sua graduação ele foi enviado à Viena, onde estudou na Wiener Handelsakademie. Em 1867 entrou como voluntário na Academia de Oficiais da Reserva, chegando ao posto de Cadett-Corporal em 1868. Logo em seguida, chamando a atenção de seus superiores pela sua grande inteligência e dotes em mecânica, foi enviado ao Centro de Armas Militares de Bruckneudorf, no então formado Império Áustro-Húngaro. Seu interesse em mecanismos de armas de fogo se iniciou ali, onde em 1871 foi para a reserva como Tenente (Leutnant der Reserve). Casou-se com Elisabeth Dufek em 1873, mudou-se para Viena e teve três filhos.
Na foto, Georg Luger em seus tempos de academia militar
Entrou para trabalhar na Ludwig Loewe de Berlim em 1891, chegando ao posto de consultor técnico da empresa. Em 1894 foi designado pela empresa para demonstrar aos técnicos do Exército Alemão uma nova pistola que tinha sido desenvolvida pela sua companhia, a C93 de Hugo Borchardt. Luger permaneceu na D.W.M. até 1919, quando deixou a companhia e se aposentou, com 70 anos de idade.
A partir dessa importante missão que havia recebido dos diretores da D.W.M. e passando a estudar o projeto da C93 atentamente, Luger percebeu que as mudanças eram muitas tanto que acabou por projetar, praticamente, uma nova arma. O autor Fred Datig nos conta em seu famoso livro “The Luger Pistol”, que um grande mal estar pode ter ocorrido no ambiente da empresa entre os dois engenheiros, o que acelerou a saída de Hugo Borchardt da companhia. Porém, soube-se posteriormente através de uma entrevista concedida em 1955 ao autor do livro por um dos filhos de Luger, Georg Franz Luger, que Borchardt continuou mantendo boas relações com Georg Luger durante o tempo em que ainda permaneceu na empresa.
Pistola pertencente à coleção da NRA, um estojo completo com coldre de couro, coronha, carregador sobressalente e vários outros acessórios.
Sendo assim, em 1896, Luger patenteia seu primeiro protótipo, cujo desenho esquemático mostramos abaixo. Luger manteve a culatra no sistema de ação de joelho mas eliminou a mola recuperadora em formato de arco, que se alojava na parte traseira da Borchardt, reposicionando-a para a parte posterior da empunhadura, mas ainda em forma de lâmina (f), e que fazia um engate com o ferrolho através de uma biela (f1). Porém, Luger ainda manteve a opção do uso de uma roldana (c3) ligada à parte posterior do ferrolho, que por ocasião do recuo do conjunto cano e ferrolho no momento do disparo, era lançada contra uma curvatura interna (c4), ocasionando assim a “quebra” inicial da ação de joelho, desalinhando seus eixos.
Além disso, foi acrescentada uma trava de segurança na empunhadura (d), solução essa que permaneceu por muito tempo em diversas opções da pistola. A mais importante mudança foi, sem dúvida, a alteração do ângulo de inclinação da empunhadura, para uma posição muito mais anatômica e confortável. Porém isso teve um preço: o cartucho teria que ser modificado.
Os cartuchos 7,65mm Borchardt e o 7,65mm Parabellum.
O cartucho 7,65 Borchardt, ou 7,65X25mm era muito longo para que fosse possível ser utilizado na nova arma, devido à nova e mais inclinação da empunhadura mas, principalmente, pela colocação da mola recuperadora em um alojamento na parte posterior.
Se Luger mantivesse o cartucho usado na Borchardt, a empunhadura ficaria demasiadamente larga e grande. A solução foi redesenhar o cartucho, encurtando-o em cerca de 4mm. Foi criado assim o 7,65X21mm, ou 7,65 mm Parabellum, ou popularmente conhecido nos USA como .30 Luger. Na foto acima, os cartuchos 7,65mm Borchardt e o 7,65mm Parabellum.
Mesmo com uma redução volumétrica da cápsula, em relação ao seu antecessor, não houve nenhuma redução de performance balística, nem queda de potência, uma vez que a D.W.M desenvolveu, conjuntamente com a Dynamit-Nobel uma nova pólvora para ser usada nesse novo cartucho.
Protótipo de Georg Luger de 1895/1896, transição entre a pistola Borchardt e a Parabellum
Em 1898, a D.W.M. fabricou alguns exemplares da pistola denominada de Borchardt-Luger Transition Pistol. Nesta arma, George Luger redesenhou o gatilho e conseguiu diminuir mais ainda a parte traseira da armação, eliminando a roldana (c3) citada acima. Para isso, desenvolveu um engenhoso sistema de rampa, localizada em ambos os lados da armação. Quando ocorre o recuo do cano, as rodilhas do ferrolho são impulsionadas para trás e obrigadas a deslizar rampa acima, ocasionando assim o desalinhamento dos eixos da ação de joelho e permitindo que a culatra se abra.
Acima, a Luger de transição 1898/99, em calibre 7,65mmx21; sabemos que menos de 10 peças dessas foram fabricadas, com cano de 5″ de comprimento. Note a rodilha do ferrolho com a lateral lisa e a rampa de deslizamento, logo atrás da mesma, sem o rebaixo usinado que se tornaria padrão posteriormente. Essa pistola, talvez a mais rara e desejada de todas as Parabellum, já trazia em sua aparência as principais características do modelo 1900, o primeiro a ser realmente produzido em série. Esse exemplar, que se encontra em um museu na Suíça, havia sido roubado do próprio museu e alguns meses depois, foi recuperada pela polícia suíça.
Assim sendo, em 1899, Georg Luger apresenta seu primeiro protótipo que foi testado por uma comissão especial do Exército Alemão; consta que neste mesmo ano a D.W.M. também havia submetido alguns exemplares para exames de uma comissão do Exército Suíço. Na Alemanha, a arma recebeu críticas com referência à potência do cartucho 7,65mm. Como já dito, mesmo com redução do tamanho não houve perda de potência em relação ao 7,65mm Borchardt. Entretanto, o poder de parada “stopping-power“ não era muito alto em nenhum deles, o que gerou essas críticas do pessoal do Exército, ainda acostumados com o grande calibre de seus antigos Reichsrevolver modelo 1879, que se utilizavam de um cartucho de calibre 10,6mm, apesar da carga ser de pólvora negra.
Em 1900, a D.W.M. (Deutsche Waffen und Munitionsfabrik), inicia a produção em série da pistola, que foi batizada de Parabellum, nome que também era o endereço telegráfico da empresa. NA: Parabellum, palavra oriunda da frase em latim, “Si vis Pacem, Para Bellum”, de autoria do romano Publius Flavius Renatus, que significa “Se queres a paz, prepara-te para a guerra”.
Aliás, quanto ao nome que se dá atualmente à arma, seja ele Luger ou Parabellum, cabe aqui uma explicação: oficialmente, o nome da pistola era Parabellum, batizada assim pelo fabricante D.W.M. Credita-se à Hans Tauscher, representante e primeiro importador oficial nos Estados Unidos o fato de ter usado o nome “Luger” pela primeira vez para essa arma. Após a I Guerra, a marca “Luger” foi patenteada pela A.F. Stoeger, outro importador da pistola. Pelo menos até meados do século XX, na Europa, se fosse mencionado à alguém o nome Luger citando essa arma, provavelmente receberia de volta uma resposta de “nunca ouvi falar…”
A Parabellum 1900, portanto, possuía o sistema de culatra trancada, liberada por curto recuo do cano, usando um sistema de ação de joelho exatamente igual ao empregado por Borchardt na sua C93. Apesar de funcionar bem, ele é um pouco crítico quanto às cargas utilizadas nos projéteis e exige mais peças móveis e alguns pinos nas articulações, que com o tempo poderiam gerar algumas folgas e desgastes. Porém, a qualidade do material empregado nestas armas era tão boa que raramente se observa algum exemplar dessas armas apresentando desgastes nessas peças, mesmo os que foram exaustivamente utilizados.
Na parte II deste artigo, conheça mais detalhes de como funciona o ferrolho por “ação de joelho” das pistolas Parabellum.
O MODELO 1900
Como já dito acima, as modificações que Georg Luger implementou em seu novo projeto foram muitas. Ao contrário do projeto original de Borchardt, a Parabellum era uma arma esteticamente mais bonita, mais elegante, bem balanceada, com um ângulo de empunhadura acentuado, sendo esta empunhadura considerada por muitos atiradores como a melhor e a mais ergonômica das oferecidas em todas as demais pistolas militares. Seu carregador tem capacidade para 8 cartuchos e fica posicionado no interior da empunhadura, podendo ser extraído facilmente mediante um botão retém localizado convenientemente perto do gatilho, acionado pelo polegar. O gatilho é uma bela peça, larga e confortável, posicionada numa das melhores distâncias em relação à parte posterior da arma que se conhece em armas militares. Os canos de comprimento de 4″ 3/4 eram quase um padrão, e dispunham de raiamento de 4 estrias com passos de uma volta a cada 25 cm.
Possuía uma trava de segurança na empunhadura e uma alavanca seletora lateral que na verdade serve para bloquear o movimento da trava da empunhadura, evitando que seja pressionada e destravando a arma. Existe um dispositivo “hold-open“, peça destinada a manter o ferrolho aberto quando o último cartucho do carregador for disparado e ejetado. O carregador vazio pode ser removido sem que o ferrolho se feche, possibilitando a inserção de um novo, devidamente municiado. Entretanto, após essa operação, o ferrolho não se fecha automaticamente, necessita de um pequeno golpe para traz para que isso aconteça.
Talvez os maiores problemas da Parabellum estão no mecanismo de disparo, parcialmente exposto do lado esquerdo da arma e que pode acumular muita sujeira e engripar, e o seu sistema de culatra de ação de joelho, denominado de “toggle-joint“, que aliás foi o motivo da não adoção da arma pela comissão dos testes norte-americanos de 1907. Tanto o sistema de culatra como o de disparo exigiam tolerâncias mínimas de fabricação e ajustes perfeitos, o que fazia da arma uma das mais dispendiosas já fabricadas.
Pistola Parabellum modelo 1900, em calibre 7,65mm Parabellum, modelo que foi fornecido à Suíça sob contrato
Mas voltando à história, um ano depois do nascimento da arma, em 1901, a Suíça testou e aprovou a pistola para uso em seus exércitos e fechou um contrato de fornecimento de 3.000 delas em calibre 7,65mm Parabellum. Nesta mesma época os Estados Unidos adquiriram 1.000 pistolas, destinadas a testes de campo a serem executados pelo seu Exército. A Suíça se tornou portanto, nesta data, o primeiro país do mundo a adotar oficialmente uma pistola semi-automática como arma de porte regulamentar.
Em 1902, visando atender ao apelo dos militares alemães por um cartucho de calibre maior e mais potente, George Luger projeta um novo cartucho, agora em calibre 9mm. Tinha as mesmas dimensões traseiras do 7,65mm, possibilitando assim que as pistolas Parabellum se adaptassem a qualquer um deles mediante a simples troca do cano, sendo que o carregador era idêntico para ambos os calibres. A cápsula era levemente cônica (diâmetro frontal menor do que o do fundo do cartucho), solução muito empregada em pistolas semi-automáticas para diminuir travamentos do cartucho dentro da câmara no momento da extração.
Esse novo cartucho, denominado de 9mm Parabellum (9×19), viria se tornar o cartucho de maior sucesso em uso no mundo, em pistolas semi-automáticas, adotado oficialmente pelos países da OTAN, tendo substituído inclusive, em 1985, o venerável cartucho .45 ACP, utilizado pelos Estados Unidos desde 1911. Com esse novo cartucho em produção, Georg Luger produz algumas pistolas neste calibre e as submete à comissão avaliadora do Exército Alemão, que passa a testar a nova arma em campos de provas bem como nas suas próprias tropas. No ano de 1904 a Marinha Alemã, depois de estar examinando e testando a pistola desde 1902, adota a Parabellum, porém solicitando um modelo com cano mais longo (6″) e com alça de mira graduada, e equipada com um engate para coronha na empunhadura.
Raríssima variação da Parabellum Navy modelo 1900 com alça de mira traseira e sem trava se empunhadura, com cano de 7″ e calibre 7,65mm Parabellum.
As principais variações sob contratos do modelo 1900 bem como suas quantidades produzidas são as seguintes:
1899-1900 Modelo de Aceitação do Exército Suíço para testes – 100
1900 Comercial – 5.500
1900 Suíça, adotada regularmente por aquele país – 5.000
1900 American Eagle, venda comercial e militar nos Estados Unidos – 12.000
1900 Búlgara – 1.000
1900 Carabina (comercial) com alça de mira regulável, no ferrolho- menos de 100
1902 Carabina (comercial) com alça de mira regulável sobre o cano – 2.500
1902 Comercial – 600
1902 American Eagle, comercial – 700
1902 American Eagle com contador de cartuchos – 50
1903 Comercial – 50
1904 Navy (Marinha) – 1500
American Eagle com Cartridge Counter (indicador da quantidade de cartuchos no carregador) – uma das mais raras Lugers existentes, somente 50 unidades fabricadas, possuía o brasão Norte Americano (American Eagle) gravado sobre a câmara.
AS CARABINAS 1900
Em 1902 a D.W.M. lança uma versão muito interessante da Parabellum, em calibre 7,65mm e com cano de 11″ 3/4, com o intuito de ser utilizada como uma carabina. Acompanhava a arma uma coronha de madeira maciça, destacável por intermédio de um engate na parte frontal. A arma possuía uma alça de mira graduada, posicionada sobre o cano. A coronha era bem diferente do modelo que era utilizada nas pistolas, bem mais simples e feitas de uma peça de madeira maciça. Ao contrário, a coronha das carabinas eram peças com acabamento muito mais refinado e lembravam um formato mais tradicional de coronhas para armas longas.
Na parte inferior do cano havia uma longarina de aço, fixada à parte frontal da armação, onde era montado um fuste de madeira com ornamentos zigrinados e dotado de uma trava de fixação. Algumas dessas carabinas eram vendidas em uma caixa de madeira onde se alojavam a pistola, a coronha, carregadores avulsos e compartimento para munições.
Testes executados pela própria D.W.M. indicaram que a carga de pólvora empregada no cartucho normal para a pistola não funcionava a contento nas carabinas, devido à grande diferença no comprimento do cano e à maior massa do conjunto. Para tanto, como a empresa era também a fabricante do cartucho, resolveu produzir lotes especialmente destinados às carabinas, com uma advertência na caixa para não serem usadas nas pistolas. O código dessa munição, que nas pistolas era 471 passou a ser 471A, para que mesmo um cartucho avulso pudesse ser corretamente identificado.
Lado direito da carabina modelo 1902 com sua coronha de madeira montada e bandoleira de couro
Carabina modelo 1902 em calibre 7,65mm Parabellum
Detalhe da carabina 1902, de sua alça de mira graduada e de seu fuste de madeira
Detalhe do encaixe da coronha na pistola, com sua trava de retenção.
O MODELO 1906
Em 1906, George Luger resolve executar várias alterações em seu projeto original de 1900, que foram as últimas mudanças físicas e mecânicas executadas nesta arma. Antes de prosseguirmos, é interessante abrir aqui um parêntese para explicarmos melhor quais as diferentes características existentes entre esses dois modelos, o do ano de 1900 e o de 1906.
As pistolas Parabellum possuem somente dois MODELOS básicos, o de 1900 e o de 1906, denominados pela comunidade colecionista de “Old Model” e “New Model” respectivamente, e três TIPOS básicos, os chamados 1900, 1906 e 1908. Entretanto, cada um desses MODELOS e TIPOS foram produzidos com diversas alternativas de comprimentos de cano, ora utilizando engate para coronha ou não, alguns deles com miras fixas ou com alças de mira reguláveis, tudo isso para suprir e atender os pedidos de contratos de seus clientes.
Em relação aos MODELOS, todas as pistolas Luger pertencem a um desses dois: 1900 “Old-Model” e 1906 “New-Model”.
A seguir as principais características de mecanismo e de usinagem entre eles:
1) a mola recuperadora, que nas 1900 consiste de duas lâminas de aço paralelas, foram substituídas em 1906 por uma mola espiral, posicionada no mesmo lugar das lâminas, mais a adição de uma peça de conexão em formato de V.
2) a superfície de ambas as rodilhas (ou botões) laterais, que servem de apoio aos dedos para se armar o ferrolho, na 1900 são parcialmente chanfradas; na 1906, alteradas para uma superfície totalmente recartilhada.
Detalhe da trava lateral do ferrolho, montada na rodilha direita do ferrolho, existente só nos modelos Old Model
Além disso, no modelo 1900, a rodilha direita possui uma trava com uma pequena mola interior, que evita que o ferrolho se abra sem estar devidamente com o conjunto cano-ferrolho recuado (foto acima). Essa peça foi eliminada no modelo 1906, pois devido à troca da mola recuperadora citada acima, a mola espiral possui uma tensão maior, e só isso já é suficiente para um fechamento mais efetivo da culatra.
Old Model
New Model
Diferença no acabamentos das “orelhas” do ferrolho, Old Model à esquerda e New Model à direita. Também notamos nesta foto a diferença da inclinação da lâmina-trava do sistema de gatilho. Nas pistolas “New Model” com trava de empunhadura a lâmina é inclinada para traz (///) como na 1900 e nos modelos sem a trava de empunhadura, a lâmina é inclinada para frente (\\\), como na foto da direita. A posição da alavanca seletora quando travada é, portanto, invertida nessas duas opções.
3) o gatilho, mais fino na 1900, teve sua largura aumentada na 1906. Com o guarda-mato, ocorre o inverso; ele é mais largo no modelo 1900 e mais estreito no modelo 1906.
4) a cabeça do ferrolho, que nas “Old Models” é rebaixado em relação ao topo da armação, foi redesenhado e passou a ficar mais alto, da mesma altura da armação.
Old Model
New Model
Diferença dos guarda matos – sem rebaixo Old Model
Diferença dos guarda matos – com rebaixo, próximo ao botão-retém do carregador (New Model)
5) o extrator, antes construído de uma fina lâmina de aço, foi trocado por um novo, usinado em uma peça de aço maciço. A partir dessa modificação, quando há um cartucho na câmara, a parte superior do extrator se projeta para fora, servindo como um alerta tanto visual como através do tato, de que arma se encontra carregada. A face lateral esquerda do extrator, quando visível (com a presença de um cartucho na câmara), exibe a palavra em alemão “GELADEN”, que significa “carregada”. Nas pistolas dos contratos brasileiro e português, por exemplo, a gravação é a palavra “CARREGADA”. Nas Lugers American Eagle, a inscrição usada era “LOADED”.
Detalhe do engate para coronha na empunhadura
Para completar as diferentes características das pistolas, além dos dois MODELOS descritos acima, todas as Lugers são classificadas em três TIPOS:
Tipo 1900 – qualquer Luger com trava de empunhadura e as características de mecanismo e de usinagem dos modelos “Old Model” (com raríssimas exceções todas as 1900 possuem trava de empunhadura).
Tipo 1906 – qualquer Luger com trava de empunhadura mas com as características de mecanismo e usinagem dos modelos “New Model”.
Tipo 1908 – qualquer Luger sem trava de empunhadura (somente com a trava lateral) e com características de mecanismo e usinagens dos modelos “New Model”.
Resumindo, uma determinada pistola pode ser identificada como sendo Modelo 1906 “New Model” e pertencente ao Tipo 1908, por exemplo.
Dentre os vários contratos firmados pela D.W.M. a partir de 1906, destacam-se os de Portugal e do Brasil, países que também encomendaram essas armas para uso em seus exércitos, sendo que o Brasil fez uma aquisição de 5.000 pistolas em 1906, em calibre 7,65mm Parabellum, muitas delas ainda presentes no Brasil em coleções individuais e em bom estado de conservação.
Em breve será publicado um artigo só sobre contrato da Luger com o Brasil!
DEMAIS CONTRATOS
A partir de 1906, cresceu mais ainda a demanda pelas pistolas Parabellum pelo mundo. A fama da alta qualidade de fabricação e pelo fato de ser, na sua época, uma das mais avançadas pistolas militares, alavancou os contratos tanto dentro da Alemanha como no exterior. A Marinha Alemã, que já utilizava o modelo 1904 adotada naquele ano, continuou fazendo aquisições em grande quantidade, agora do seu modelo denominado Navy 1906, uma arma com cano de 6″ e alça de mira regulável na parte posterior do ferrolho, trava de empunhadura e engate para coronha.
A Luger Navy 1906, em calibre 9mm Parabellum, cano de 6″ e alça de mira regulável, trava de empunhadura e engate para coronha – é considerada pelos aficionados como a mais elegante, harmoniosa e equilibrada das variações de Lugers. Note a inscrição “GESICHERT” (travada) gravada na armação, debaixo da alavanca de trava de segurança.
Detalhe da alça de mira graduada de 0 a 100 metros das Lugers Navais 1906
Dentre os principais contratos a partir do modelo 1906, podemos destacar as mais importantes variações abaixo, comerciais ou militares, com as respectivas unidades produzidas:
1906 Comercial – 750
1906 American Eagle, venda comercial e militar nos Estados Unidos – 750
1906 Comercial com cano de 4″ – 4.000
1906 American Eagle em 9mm, com cano de 4″ – 3.000
1906 American Eagle em 7,65mm, com cano de 4″ 3/4 – 8.500
1906 Swiss Comercial – 1.000
1906 Comercial em 7,65mm, cano de 4″ 3/4 – 5.000
1906 Holandesa – 4.000
1906 Real Marinha Portuguesa – 7.000
1906 Brasileira em 7,65mm e cano de 4 “3/4 – 5.000
1906 Bulgária – 1.500
1906 Russa – 1.000
Autor do Blog: armasonline.org