Entrevistas
PM Marcos Paccola – Cidadão deveria ter a arma que quisesse, até mesmo um fuzil
O major Marcos Paccola, da Policia Militar de MT, é favorável ao fim do Estatuto do Desarmamento
O major Marcos Paccola, da Policia Militar de MT, é favorável ao fim do Estatuto do Desarmamento
O aumento na criminalidade fez crescer, nos últimos tempos, uma corrente de pensamento que defende o fim do Estatuto do Desarmamento, a legislação aprovada em 2003 e que restringiu o porte e a posse de arma de fogo no Brasil.
Na direção contrária deste pensamento, no entanto, há os que temem que uma maior quantidade de armas em circulação também significaria maior número de assassinatos banais e, até mesmo, de acidentes domésticos.
Para o major PM Marcos Eduardo Paccola, especilista em Segurança Pública, o Estatuto do Desarmamento, vigente atualmente no Brasil, vai contra os interesses individuais do cidadão.
“O cidadão deveria ter a arma que quisesse, até fuzil”, afirma o major, que atualmente está na Superintendência de Logística da Polícia Militar de Mato Grosso, no setor de material bélico.
Paccola fala com conhecimento de causa. Além de pós-graduado em Gestão de Segurança Pública, ele ainda traz no currículo cursos como o de atirador de arma de precisão e de operações táticas da Polícia Federal, além de nove anos atuando no Bope (Batalhão de Operações Especiais), a elite da PM de Mato Grosso.
Para o policial, que conversou com o MidiaNews nesta semana, os homicídios têm relação direta com a impunidade e a corrupção sistêmica – e não com as armas de fogo.
Na entrevista, ele falou diversos aspectos da legislação sobre armas, como a posse (que consiste em manter a arma em casa ou no local trabalho) e o porte (manter arma fora da residência ou local de trabalho).
Confira a íntegra da entrevista do major Pacolla:
MidiaNews – Apesar do Estatuto do Desarmamento, o cidadão brasileiro tem direito a ter a posse de uma arma?
Marcos Eduardo Paccola – Sim. Qualquer cidadão brasileiro com bons antecedentes tem direito de ter a posse até seis armas em casa, propriedade rural e empresas. Duas armas curtas (revolver ou pistola), duas armas longa lisas (armas usadas mais para caça, mas que são eficientes na defesa) e duas raiadas longa, que são as carabinas.
MidiaNews – E o qual o processo para conseguir a posse de uma arma?
Marcos Eduardo Paccola – É preciso fazer um teste psicotécnico – teste psicológico, mais um exame de técnica de tiro. O cidadão procura um instrutor credenciado na Polícia Federal, com as instruções de regras de segurança e manuseio, até a execução dos disparos propriamente dita. Você sendo aprovado, ou seja, passando nas médias estabelecidas pela portaria, ele te dá um laudo de capacidade técnica. Com esses laudos, atestado de idoneidade, certidão negativa da Justiça, comprovante de residência, de renda e mais um série de documentos que estão disponíveis no site da Polícia Federal, você dá entrada no pedido de compra de arma.
MidiaNews – Atualmente, com o Estatuto do Desarmamento, quais pessoas ou profissionais podem ter o porte de arma e quais os pré-requisitos?
Marco Eduardo Paccola – Hoje, temos dois tipos de porte no Brasil: os portes funcionais, que são as categorias que têm autorização por lei, como agentes de segurança e defesa, os juízes e promotores. E ainda, há o porte prescrito em lei, que o cidadão civil pode portar uma arma.
Para estes casos, além dos pré-requisitos de ter uma arma, é preciso comprovar a real necessidade. E isso é um juízo de valor subjetivo. E é aí que está a maior discussão que se tem com a questão do porte: o cidadão tem o direito, mas esse direito depende de um entendimento subjetivo da Polícia Federal.
O que se discute é: de fato é direito ou não? O que nós temos de informação é que no Estado de Mato Grosso são menos de 100 portes concedidos.
MidiaNews – A pessoa que for ameaçada de morte tem essa prerrogativa?
Marcos Paccola – Eu tenho vários conhecidos que já viveram essa situação, mas que não conseguiram o porte, mesmo alegando as reais ameaças. O porte depende do entendimento do delegado.
MidiaNews – Essa subjetividade é um problema?
Marcos Eduardo Paccola – É um direito do cidadão ter uma arma, assim como o direito à vida, à liberdade. O cidadão tem o direito de escolher se ele quer andar armado ou não. As discussões sobre se a arma traz ou não mais segurança não devem ser elevadas. O que se discute é a questão do direito de defesa. Hoje, o cidadão não tem esse direito de escolha.
Atualmente, nós colocamos o cidadão ao bel prazer da criminalidade. Uma coisa é você poder se defender, outra coisa é você não ter a menor chance de se defender. Qual a diferença do cara que vai para roubar e do que cara que mata para roubar? A oportunidade.
MidiaNews – O fato de o bandido saber que a maioria das casas não tem arma o torna mais “ousado”, e o cidadão menos protegido?
Marcos Eduardo Paccola – Eu acredito que sim. Não quer dizer que a arma garanta a segurança. Nós temos casos de alguns criminosos monitorados que tinham preferência por entrar em casas de policiais, justamente porque tinham arma. Mas qual a circunstância que levava ele a essa decisão? A escala de trabalho intensa dos policiais, que é 12h por 24h ou 24h por 48h. O bandido entra na casa na certeza de que não tem ninguém dentro. Então é uma ação diferente, de furto.
Sem dúvida que hoje o criminoso tem uma tranquilidade de atuar. Se pegarmos a população de Mato Grosso, com pouco mais de 3 milhões de habitantes, e pegar o percentual de pessoas que têm porte – 15 mil agentes de segurança e defesa e outros portes -, nós temos aí 16 mil pessoas com armas em um Estado de 3 milhões de habitantes.
MidiaNews – Então, eles ficam mais encorajados a roubar residências…
Marcos Eduardo Paccola – A maioria dos roubos a residências acontece quando você está saindo ou está chegando. O bandido sabe que só estará com a arma quem tem porte (que são uma minoria), porque esta pessoa pode andar armada. Então se o bandido pegar o cara saindo de casa, e ele não for policial, ele não vai estar armado. Essa é a grande diferença.
MidiaNews – Em 2018, o Estatuto do Desarmamento faz 15 anos. E o que percebemos é que não houve redução nos homicídios nesse período. O Estatuto falhou?
Marcos Eduardo Paccola – Ele falhou no entendimento de causa e efeito. Quando falamos em crime, nós temos motivo e ação. Quando falamos em motivação, temos crimes passionais, por transtorno mental (esses crimes serão cometidos com faca, pau, barra de ferro, foice, arma etc) e esses não têm como a gente regular. Os outros são homicídios motivados pela criminalidade.
“Mata-se porque existem muitas armas”. Essa é uma fundamentação equivocada. Basta analisar o Brasil. A região Sul do Brasil tem o maior índice de armas per capita e não é o maior índice de homicídios no Brasil. O maior índice de homicídios está onde tem a menor concentração de arma, que é na região Nordeste.
E apesar de muitas pessoas fazerem relação entre Estados Unidos e Brasil, há países que têm os mesmos índices de armas que o Brasil, e o mesmo número de homicídios que os Estados Unidos. Ou seja, não há uma relação entre armas de fogo e violência. Ou seja, se aumentar o número de armas, não significa que vai aumentar o número de homicídios.
MidiaNews – Então, qual é causa do aumento nos homicídios?
Marcos Eduardo Paccola – Quando a gente fala no motivo e ação, o maior motivo é a impunidade. A criminalidade está relacionada com as armas? Não está. Não é o fato ter armamento ou não. É o fato da impunidade propriamente dita.
O que regula uma sociedade é a família, religião e a justiça. Quem nunca sentiu vontade de matar alguém por qualquer motivo? Por que que as pessoas não fazem isso? Primeiro porque eu tenho vergonha da minha família. O segundo freio é o temor a Deus. E o terceiro é a lei dos homens. Mas este ninguém pesa.
Qual o maior medo do bandido hoje? De ser morto em uma ação da Polícia, porque é a efetividade da punição. Essa é a única relação, analisada em qualquer seio social, independente do aspecto financeiro, cultural e social: quanto menor for o índice de impunidade, menor são os índices de homicídio.
MidiaNews – Como explicar a impunidade como fator de incremento da violência?
Marcos Educardo Paccola – Se um bandido sai para matar alguém, ou seja, em um crime planejado, é muito difícil ele ser preso em flagrante. E se a Polícia conseguir fazer a prisão dessa pessoa, o tempo médio para ela ser condenada é de cinco a 10 anos. Quando essa pessoa for condenada pelo primeiro crime dela, ela terá 10 ou 15 outros homicídios nas costas.
O índice de resolutividade de homicídios é muito baixo no Brasil. Quanto tempo demora para se condenar, e qual a efetividade da condenação? Isso tem que ser analisado. No Brasil, isso é ínfimo.
Hoje, mesmo com a prisão em flagrante, o sujeito vai para um presídio e consegue sair… E voltamos ao começo, onde falamos da impunidade. Então, não quer dizer que são mais armas, mais homicídio, menos armas, menos homicídios. Não há uma relação direta.
MidiaNews – Qual país teve leis efetivas e conseguiu reduzir a impunidade?
Marcos Eduardo Paccola – A realidade mais aproximada do Brasil é o Chile. Eles mudaram simplesmente o processo penal para o crime de homicídio. Lá, o policial fez a prisão onde tem flagrante, autoria, materialidade e circunstância. A pessoa vai direto para o juiz, que tem 15 dias para julgar.
MidiaNews – Há muita reclamação de policiais em relação à Justiça. Eles dizem que prendem e o juiz solta.
Marcos Eduardo Paccola – Para o policial que está na rua, não tenho dúvida de que a visão que eles têm é que o Judiciário passa a ser quase um inimigo da Polícia e não um aliado.
MidiaNews – O senhor acha que a legislação deveria ser mais branda em relação a poder ter uma arma?
Marcos Eduardo Paccola – Com certeza. O cidadão deveria ter a arma que quisesse, até fuzil. Porque é o seguinte: quando eu vou comprar uma arma legalizada, eu preciso dar meu nome, RG, CPF, comprovante de endereço, tenho que comprovar necessidade. Ninguém vai comprar uma arma legalizada para fazer roubo.
Em qualquer lugar do Brasil que você for e disser que quer comprar um fuzil, você compra. A questão é quanto você vai pagar. Legalmente, um fuzil hoje custa R$ 30 mil. Na Bolívia eu consigo um fuzil bem mais barato. Imagina se uma pessoa vai gastar R$ 30 mil, R$ 50 mil, para comprar um fuzil para fazer assalto a banco?
MidiaNews – Uma das alegações dos favoráveis ao Estatuto do Desarmamento é que, com o aumento de armas em circulação, os acidentes com crianças e os crimes fúteis podem crescer também. Como o senhor analisa essa afirmação?
Marcos Eduardo Paccola – O cidadão que usar a arma de forma errada vai acabar com a vida de outras pessoas, mas também com a vida dele. Isso aí acontece também com policiais que usam o porte de maneira errada. O problema não está no armamento em si. O problema está na intolerância das pessoas.
No Paraguai, todo cidadão tem direito de portar duas armas. E uma das coisas que ele falam lá é que não se xinga no trânsito, não se briga e não se discute. Porque todo mundo tem arma. Eu acredito que caso o Estatuto acabe, até a tolerância entre as pessoas pode aumentar.
Sobre os acidentes, é claro que nos Estados Unidos [onde as leis para porte são mais brandas] ocorrem acidentes com armas. Agora, se você for avaliar a quantidade de crianças que morrem em acidentes com arma nos Estados Unidos – e for comparar com outras causas de morte infantil – esse motivo é o último. Antes, existem descarga elétrica, afogamento, sufocamento… E, por último, vem os acidentes com armas.
E esses acidentes acorrem por um descuido. Se você colocar piscina dentro de um maior número de casas, o número de afogamentos vai aumentar também. Porque só há afogamentos em piscinas nas casas onde há piscinas. Só terá acidente com arma, se houver arma.
Eu tenho arma em casa e tenho filhos. E tomo cuidados em casa para que não ocorram acidentes.
Eu, sinceramente, não acho que bandido está preocupado com quem está ou não armado”
MidiaNews – Com mais pessoas armadas, aumentaria o temor dos bandidos?
Marcos Eduardo Paccola – Eu sinceramente não acho que bandido está preocupado com quem está ou não armado. O bandido prepara a mente dele para o combate, e vai para matar ou morrer. Eles mesmos conseguem colocar no seio criminoso de que é honroso morrer no crime.
MidiaNews – A preparação para se portar uma arma deve constar em uma eventual nova legislação sobre o assunto?
Marcos Eduardo Paccola – Eu acho que lei não muda nada. O maior exemplo é dos policiais. Hoje, se formos falar sobre qual a porcentagem de policiais que têm condições plenas de ter uma arma – e se comportar diante de uma situação de risco -, eu chutaria menos de 10%. Apesar de estar na lei que ele pode portar, que ele precisa passar por diversas reciclagens.
O cidadão tem que estar consciente, desde como ele vai armazenar essa arma, até como ele vai portar e reagir. Agora, a decisão é dele. Se ele não se preparar, é o filho dele que vai morrer, é ele que vai perder a vida para um assaltante.
MidiaNews – O seu posicionamento sobre arma é contrário ao recomendado pela Polícia Militar, de nunca reagir a ação de um bandido. Qual é a orientação, de fato?
Marcos Eduardo Paccola – A orientação continua sendo a mesma: não reaja. A reação que falamos é tentar tomar a arma do bandido, é tentar acelerar o carro, enquanto o cara está com a arma apontada para cabeça da vítima. Não pode se confundir o reagir com o agir quando você está armado. Não reagir é quando você está em situação de vulnerabilidade. Quando falamos em agir, são atitudes preventivas, com supremacia de força. Quando você está armado, você vai agir.
MidiaNews – E como se caracteriza o matar em legítima defesa?
Marcos Eduardo Paccola – Tem gente que fala que é preciso [o bandido] agir, para que seja caracterizada a legítima defesa. Isso não existe. Quando o criminoso consegue atirar é porque a polícia falhou. A teoria do passo à frente é a seguinte: eu vou com a arma na mão, se ele sacar eu aponto, se ele apontar, eu atiro. Então, eu não tenho que dar a oportunidade de ele atirar, porque se ele atirar, ele vai acertar. E se ele acertar, eu morri.
MidiaNews – Na sua visão, qual é o interesse por trás das políticas de desarmamento da população?
Marcos Eduardo Paccola – Uma população desarmada é interessante para o Governo. Imagina uma população armada, se ela se junta e fala: não, não é assim. Dizem que o Brasil é muito pacífico, os políticos fazem tudo isso [referindo-se à corrupção] e não acontece nada. Existe uma grande diferença entre ser pacífico e passivo.
Nós temos 62 mil mortos por ano, por ações violentas no Brasil, fora acidentes de trânsito. Isso é um índice maior que os sete anos de guerra no Oriente Médio. Então, nós somos passivos, e não pacíficos.
E é logico: para manter essa passividade, é preciso manter a população desarmada, ou armada com pouca capacidade de reação. Que é essa restrição de o cidadão ter só 38, 380… Você imagina se 100 caras armados entram na Câmara e dizem: “sai todo mundo daqui”?
A pólvora e as armas igualaram as pessoas. Deus nos fez diferente, e a pólvora e as armas nos tornaram iguais. Quando você tem dois homens armados, independente das suas características físicas, eles estão no mesmo nível de capacidade reativa.
MidiaNews – O fato de os policiais que matam bandidos em combate terem que responder a processo inibe a atuação mais contundente da Polícia?
Marcos Eduardo Paccola – Tenho claro para mim que existem duas vertentes: quem quer fazer acha um jeito, quem não quer acha uma desculpa. Isso é uma opção pessoal. É claro que deve responder, até para a Justiça entender que o policial agiu em legítima defesa. Uma coisa é você responder, outra coisa é ser sentenciado, ser condenado.
E provada a legítima defesa, é um excludente de ilicitude, ou seja, deixa de ser um crime. E tanto para o cidadão, quanto para o policial, a lei é a mesma para legítima defesa.
A recomendação que eu dou para uma pessoa que tem porte, e caso isso aconteça, é que faça a ligação para Polícia, o Samu, para não cair na omissão de socorro, faça contato com o advogado, e informe via Ciosp, dizendo que você fará sua apresentação espontânea na delegacia.
Imaginando o cidadão de bem, e ocorra o caso de legítima defesa, o policial vai ter que prendê-lo, porque tem o estado de flagrância. Então, para não ter o estado de flagrância, ele terá que fazer a apresentação espontânea, que já dá para o cidadão o direito de responder em liberdade.
MidiaNews – Uma pergunta indiscreta: o senhor já matou quantas pessoas em ação?
Marcos Eduardo Paccola – Se for olhar a quantidade de pessoas que já prendi e a quantidade de pessoas que já matei, é insignificante o que já matei. Porque essa decisão é deles. Qual a diferença dos que morreram para os que não? A decisão deles de reagir. Porque se a gente chegar e ele se entregar, ele vai ser conduzido para a delegacia.
E porque esse índice é muito alto com o Bope e Rotam? Porque há um preparo dos policias. Desde o preparo psicológico para ir ao enfrentamento – e a gente tem isso muito forte de que para nós é honroso morrer em combate, em confronto.
No momento em que vivemos, nós precisamos que os policiais e pessoas do bem tenham a mesma audácia e a mesma motivação de agir, com que os criminosos estão. Os criminosos estão cada dia mais motivados em agir e fazer, e os policias cada vez mais desmotivados em agir.
MidiaNews – O senhor é a favor da pena de morte ou prisão perpétua?
Marcos Eduardo Paccola – Prisão perpétua, a pena de morte é muito branda. A pena de morte é igual o suicida. A pessoa tem um problema, se mata e deixa o problema para quem fica.
Além da prisão perpétua, sou a favor da família ou o próprio preso custear todas as despesas dele dentro do presídio. Não tem lógica a gente gastar mais com presidiários que com alunos em escolas. Uma sociedade dessa não vai para frente, nunca.
E a prisão perpétua deve começar pelos crimes de corrupção de agentes públicos, cargos eletivos ou concursados.
Por Cintia Borges e Marcos Paccola
Fonte: http://bit.ly/2gHTG2N