Armas
Pistolas Parabellum (Luger) – Parte II
Em 1907, o Governo Norte-Americano passou a realizar testes com diversas armas curtas destinadas a se tornarem padrão no Exército daquele país, os chamados U.S. Trials de 1907, realizados em Springfield, Massachussets. O nosso artigo A Pistola Colt 1911 – Os testes de 1907 mostra, em detalhes, como transcorreu esses procedimentos que culminou com a adoção da pistola Colt 1911 como arma padrão do Exército dos USA.
Em 1907, o Governo Norte-Americano passou a realizar testes com diversas armas curtas destinadas a se tornarem padrão no Exército daquele país, os chamados U.S. Trials de 1907, realizados em Springfield, Massachussets. O nosso artigo A Pistola Colt 1911 – Os testes de 1907 mostra, em detalhes, como transcorreu esses procedimentos que culminou com a adoção da pistola Colt 1911 como arma padrão do Exército dos USA.
Para esses testes, George Luger em pessoa, preparou, supervisionou a produção e transportou para os USA dois exemplares (embora alguns autores afirmem que tenham sido produzidas seis delas) baseada no modelo 1906 mas para uso do calibre 11,43mm, exigido pelos técnicos dos testes como sendo o mínimo para poder participar da contenda.
Infelizmente para a D.W.M. e para o ego de Georg Luger, a pistola quase chegou ao final da contenda, onde somente haviam duas armas como rivais: a própria vencedora Colt e a pistola também americana, Savage, e a Luger acabou sendo descartada a favor das concorrentes. A maior crítica dos examinadores recaíram sobre o sensível sistema de ferrolho por “ação de joelho”, considerado pelos técnicos como muito crítico, de fabricação dispendiosa e mais sujeito à emperrar em condições adversas, como lama e poeira.
Fred Datig afirma em seu livro “The Luger Pistol” que Luger deve ter deixado para trás, nos USA, o exemplar que foi mais utilizado nos testes, exemplar esse de número 1, que nunca mais foi localizado. A arma de número 2 foi levada por ele para a Alemanha e era pertencente (pelo menos até a década de 70) à coleção de Sidney Aberman, de Pittsburg, Pensilvânia. Logo após os testes, mais duas pistolas foram produzidas para fins de divulgação comercial, sendo que uma delas se encontra no Norton Gallery de Schreveport, Louisiana. Consta também que o Governo Americano chegou a fazer uma encomenda de 200 pistolas adicionais à DWM, durante os anos de realização dos testes, o que foi recusado por motivos até hoje inexplicáveis.
O jornal Los Angeles Times de 15 de março de 2010 afirma que, em 1949, Sidney Aberman comprou a Nº 2 por US$ 150,00 de um amigo que havia pago este mesmo preço, cinco anos antes. Após a morte de Aberman, a arma foi adquirida por um negociante da Califórnia que vendeu-a a um bilionário da Indonésia, Yani Haryanto, por US$ 1.000.000,00. Em março de 2010 a empresa de leilões Greg Martin Auctions leiloou a arma em Anaheim, Califórnia, e foi arrematada por um “grande colecionador de armas” que se manteve anônimo, por US$ 430.000,00.
Cópia da pistola Parabellum (Luger) em calibre .45, fabricada “à mão” por Mike Krause, USA
Como sempre pode ocorrer com peças e obras de arte de altíssimo valor, era inevitável que surgissem cópias desta arma, o que acabou realmente acontecendo nos USA na década de 80. Um fabricante de armas, Mike Krause, de San Mateo, Califórnia, chegou a produzir alguns exemplares aparentemente idênticos às originais , hand-made, e comercializou-os a preços bem salgados, mas não escondendo o fato de não serem legítimas. Existe à venda nos USA uma possível “autêntica” carabina (!) Luger em calibre .45, oferecida pela exorbitante quantia de US$ 1.000.000, sobre a qual ainda recaem inúmeras acusações de ser falsa.
Em 2009, o armeiro alemão Herbert Werle se associou ao industrial austríaco Karl Nedbal e ambos produziram em suas oficinas cinco exemplares, réplicas da pistola Parabellum em calibre .45 ACP. São cópias quase fiéis, com mínimas diferenças estéticas, e produzidas em aço inox. Não temos conhecimento de valores comerciais para essas pistolas e se sua produção foi mais além das cinco unidades iniciais.
Acima, a Luger cal. 45ACP produzida por Werle & Nedbal
A DOTAÇÃO PELO EXÉRCITO ALEMÃO
Como prêmio de consolação pela eliminação nos Testes de 1907, o ano de 1908 jamais seria esquecido por George Luger nem pelas Forças Armadas Alemãs, uma vez que, finalmente, a pistola Parabellum foi adotada oficialmente como arma de uso individual padrão do Exército. A partir daí, sua nomenclatura oficial passou a ser P.08, ou “Pistole 08″, nomenclatura essa que designa o ano de dotação e não necessariamente o modelo da arma, que na verdade era o de 1906, mas do tipo 1908.
Pistola Luger (Parabellum) “New Model” do tipo 1908, adotada pelo Exército Alemão em 1908, em calibre 9mmX19 (9mm Parabellum) – repare a base do carregador em alumínio, o que indica que a arma seja de produção durante a II Guerra
A P.08 era basicamente o modelo 1906 mas com cano de 4″ de comprimento, mas em calibre 9mm (9X19mm), com 6 raias e passo de uma volta a cada 25cm, alça de mira fixa, carregador com capacidade para 8 cartuchos, dispositivo “hold-open” para manter o ferrolho aberto após o último cartucho deflagrado, sem trava de segurança na empunhadura e com um encaixe na parte inferior posterior da empunhadura para a adaptação de uma coronha. Alguns anos depois, a arma teve seu batismo de fogo com a entrada da Alemanha na I Guerra Mundial, onde provou definitivamente ser uma ótima pistola.
Como dissemos anteriormente, o Exército não se simpatizou com o cartucho 7,65mm Parabellum, julgando-o de pouca potência para uso militar e de fraco poder de parada. Com o 9mm a DWM conseguia, simplesmente com a troca do cano, fornecer as pistolas ao Exército com um calibre que atendesse mais às suas expectativas.
O cartucho 9mm Parabellum, ou 9X19mm, é a bem da verdade um 7,65mm reduzido na altura em 2mm e sem gargalo. O estojo é levemente cônico, com uma diferença de 0,3mm no diâmetro junto à base, em relação à boca. Essa leve conicidade tem um efeito benéfico na extração dos estojos vazios. O projétil pesava 115 grains (7,5 g), utilizando uma carga de 6 grains (0,39 g) de pólvora desenvolvida pela Dynamit-Nobel. A velocidade na boca era de 400 m/s.
Voltando à pistola, nas primeiras versões fornecidas a partir de 1908, cerca de 20.o00 pistolas, não havia sido colocado em prática o uso do dispositivo chamado de “hold-open”, destinado a manter o ferrolho aberto após último disparo de um carregador. No entanto, por solicitação do Exército, a maioria das pistolas retornaram para a fábrica para instalar o mecanismo, o qual o Exército achava importante. Além disso, foi também executada uma alteração na usinagem do dente de retenção do disparador, para permitir que a pistola pudesse ser desmontada mesmo estando travada. No sistema antigo, não era possível essa operação pois com a arma travada, não se conseguia recuar o cano para destravar o retém de desmontagem.
Nas fotos acima temos a modificação do disparador “sear”, para permitir recuo do cano mesmo com arma travada
Uma P-08 militar – lado direito – primeiro modelo
Uma P-08 militar – lado esquerdo – primeiro modelo
A Alemanha utilizou na I Guerra Mundial, basicamente dois tipos da pistola: a P-08 padrão e o modelo Naval 1906. Devido à grande demanda devido à guerra, a produção foi estendida também ao Arsenal de Erfurt e acredita-se que saíram das fábricas da D.W.M. e de Erfurt, cerca de 2.000.000 de pistolas, e algo em torno de 50 milhões de peças avulsas de reposição. As pistolas produzidas no Arsenal de Erfurt são denominadas de 1908, apesar de que sua produção só se iniciou em 1910, durando até 1913. A data era estampada sobre a câmara, e os números de série do lado esquerdo. Sobre a porção intermediária da ação de joelho, havia a marca de uma coroa sobre a inscrição Erfurt.
Em 1914, outro modelo bem interessante teve sua entrada no teatro da guerra: o Artillery Model, conhecida como Luger da Artilharia, em calibre 9mm Parabellum. Esse modelo possuía cano de 8″ de comprimento, com uma alça de mira regulável até 800 m. posicionada sobre a parte posterior do cano.
Detalhe da alça de mira do modelo Artillery, este exemplar datado de 1917
Essa mira tinha uma característica interessante: além do movimento de elevação, que é normalmente utilizado para o ajuste das distâncias, ela possuía um pequeno desvio lateral que aumentava de grau à medida que o ajuste da elevação era incrementado. Esse desvio era proposital e destinado a fazer uma correção automática existente na trajetória do projétil, para a direita. Esse modelo foi produzido até o ano de 1918 em quantidade que atinge dezenas de milhares de peças. Trata-se de uma das variações mais cobiçadas e objeto de desejo dos colecionadores de Luger, apesar de que a “Artilharia” não é uma variação particularmente rara. Muitas delas, obtidas de diversas formas nas batalhas nos campos da Itália, foram trazidas para o Brasil pelos pracinhas da F.E.B., apesar de que este era um procedimento proibido na ocasião.
Luger Artillery Model de 1918 com o coldre de couro, bolsa para carregadores adicionais e coronha de madeira
O modelo Artillery quase sempre era acompanhado de diversos acessórios, principalmente da coronha de madeira com o coldre de couro. Um dos acessórios usados nessas armas que mais chama a atenção é o carregador denominado de “snail-drum”, que comportava 32 cartuchos em um alojamento circular, dispondo de um mecanismo movido à mola e que em muito lembra o utilizado nas metralhadoras Thompson, porém, em tamanho reduzido.
O conjunto acima acompanhava a maioria das pistolas modelo Artilharia: coronha de madeira, dois carregadores extras, ferramentas de limpeza e desmontagem, o carregador circular “snail-drum” (montado na arma) e dispositivo para facilitar o carregamento
Uma pistola Luger modelo “Artillery”, datada de 1915 – note a base do carregador feita em alumínio, ao invés de madeira, opção comum nas Lugers produzidas no período da I Guerra
Duas das mais belas variações da Parabellum, lado a lado: a Naval de 1904 e a Artilharia de 1914
O PERÍODO PÓS I GUERRA
Com o término da guerra e a derrota da Alemanha, o Tratado de Versalhes lançou contra os países derrotados uma série de restrições quanto ao fabrico de material bélico. Dentre eles, havia a limitação dos calibres em armas curtas que seriam fixados em no máximo 8 mm e com o comprimento do cano limitado à, no máximo, em 3″ 5/8. Para a D.W.M. isso não gerou problemas maiores, pois simplesmente os canos seriam encurtados de 4″ para 3″ 5/8 e o calibre a usar seria o já existente 7,65mm Parabellum. O modelo chamado de 1923 era justamente esse, que passaria a ser distribuído às tropas, as quais também estavam restritas a um contingente de no máximo 100.000 homens.
Um fato que se tornou corriqueiro, e também resultado das limitações do Tratado, foi o que enviou várias pistolas de volta à DWM (segundo consenso de alguns autores) e também ao Arsenal de Erfurt, para serem “retrabalhadas”. Na verdade, esse procedimento denominado de “rework”, servia para reformar a arma onde estivesse danificada, principalmente trocando-se peças com durabilidade menor, como canos, carregadores e molas. Após esse retrabalho, as armas eram devolvidas ao serviço. Por esse motivo, encontra-se diversas pistolas P08 com duplas datas, as chamadas “double-dated”, carimbadas sobre a câmara, sendo a data inferior a da época da produção e a data posterior, a da remanufatura. O Arsenal de Erfurt costumava também recarimbar a porção mediana do ferrolho com sua marca. Portanto, fica claro que o Arsenal de Erfurt nunca produziu pistolas completas.
A farsa das pistolas produzidas pelo Arsenal de Spandau – nota-se nesta foto a diferença de coloração no acabamento das peças e a ainda visível marca anterior que restou na peça, abaixo da marcação da coroa, por sinal, a mesma marca utilizada por outro Arsenal, o de Erfurt
Outra controvérsia que envolve as pistolas deste período são as supostas Lugers, tanto do tipo Artilharia como P08 padrão, produzidas em número reduzidíssimo (500 armas) pelo Arsenal de Spandau. Pistolas como essas, com o carimbo desse arsenal, começaram a aparecer nos USA por volta de 1946 (porque depois de tanto tempo?) em mãos de alguns colecionadores e em casas de leilão. Prontamente passaram a ser cotadas em milhares de dólares. Até no Brasil, inclusive, começaram a aparecer algumas delas, oferecidas a preço de ouro, mas bem mais tarde que nos USA, em mãos de alguns colecionadores. Nenhuma publicação séria sobre Lugers sequer cita a existência dessas armas. Não há nenhum respaldo documental sobre isso; após dezenas de anos de discussão, o consenso geral é que se trata de falsificações, algumas delas facilmente comprovadas por “experts” nos USA.
Acima, dois exemplos de pistolas “double-dated”, uma DWM “Artillerie” e outra P08 do Arsenal de Erfurt
É interessante citar que apesar de todos esses percalços, os anos pós I Guerra (1918 a 1930) foram os mais produtivos e rentáveis para a D.W.M., através de numerosos contratos que continuaram a ser fechados. Contratos estrangeiros como os da Suíça e o da Holanda continuaram mantendo a produção ocupada. A partir de 1920, um relaxamento natural das restrições do tratado já eram observadas. A D.W.M. já não mais existia com esse nome, mas sim como Berlin-Karlsruhe Industrie Werke (B.K.I.W.)
Os contratos existentes, principalmente com a Holanda consumiam quase toda a produção da B.K.I.W. de forma que outros fabricantes da pistola foram licenciados por ela e passaram a produzir a pistola, tal como a Simson & Co., da cidade de Suhl, a partir de 1922. Essa empresa foi, a partir deste ano a única fornecedora das pistolas ao Governo Alemão e seu contrato terminou em 1932, sendo que a partir daí mais nenhuma pistola P-08 saiu de sua linha de produção. As pistolas fabricadas pela Simson eram de qualidade e acabamento idênticos aos da D.W.M. e hoje em dia, cobiçadas pelos colecionadores, atingem patamares de preço em torno dos US$ 6.000, nos Estados Unidos, apesar de que mais de 15.000 pistolas foram produzidas.
Pistola Parabellum P-08 de fabricação Simson & Co. de Suhl, com coldre e ferramenta de carregamento / chave de fenda
Em 1930, a B.K.I.W. foi incorporada pelo mesmo grupo que detinha a maioria das ações da Mauser Werke, de Oberndorf. Todo o maquinário foi transferido de Berlim para a Oberndorf, e a Mauser, doravante, passou a ser a maior fornecedora das pistolas Parabellum, apesar de que continuou utilizando a marca registrada da D.W.M. até 1934. A DWM produziu cerca de 1.000.000 de pistolas Luger em toda a sua existência, representando cerca de 28% de toda a produção dessas armas. A Mauser foi a segunda maior produtora, também beirando à um milhão de armas.
Foi também nesta época que o importador americano Hans Tauscher vendeu seu negócio para A. F. Stoeger, que se transformou doravante no único e oficial importador das Lugers em território americano. Stoeger teve também a brilhante idéia de registrar o nome “Luger” como de sua propriedade. As pistolas fabricadas para ele já vinham originalmente com a inscrição “A. F. STOEGER INC. NEW YORK” na face direita da armação e “LUGER – REGISTERED U.S. PATENT OFFICE” do lado oposto. Stoeger importava pistolas em tres configurações básicas: modelo com 8″ de cano em cal. 9mm, modelo militar de 4″, também em 9mm, e um modelo baseado na 1906 em calibre 7,65mm, cano de 4″ 3/4 mas sem trava de empunhadura. A trava de segurança tinha a inscrição “SAFE” e o extrator trazia a inscrição “LOADED”.
Detalhe de uma Parabellum importada por A.F. Stoeger, com o brasão “American Eagle” gravado sobre a câmara
Outra variante que chama muito a atenção são as chamadas Lugers “inglesas”, fabricadas pela casa Vickers, de Londres. Aliás, cumpre afirmar aqui que fora da Alemanha, somente dois países fabricaram essa pistola: a Inglaterra (Vickers) e a Suíça (Waffenfabrik Bern). A Holanda foi um dos países da Europa que mais encomendas fizeram à D.W.M. Por uma razão não muito bem esclarecida, e pouco antes da eclosão da I Guerra, a Holanda encomendou cerca de 10.000 pistolas aos ingleses e o porque assim o fizeram é um mistério, clientes assíduos que sempre foram da D.W.M. Sabe-se que a produção da Vickers durou de 1915 a 1917, sendo que neste período o governo holandes chegou a executar cerca de 20 pedidos consecutivos, em pequenas quantidades.
Luger Vickers do contrato holandes no período de 1915 a 1917 – cano de 4″, calibre 9mm e trava de empunhadura, sem encaixe de coronha. Note a inscrição em holandês “RUST” (segurança) na trava de segurança
AS LUGERS SUÍÇAS
Depois de terem importado 13.315 pistolas da D.W.M. desde o primeiro modelo 1900, em 1924 a Suíça resolve produzir, ela mesma, a pistola Parabellum. A D.W.M. nesta época não estava em condições de suprir a demanda suíça dentro da qualidade que ela estava exigindo e assim, forneceram à Waffenfabrik Bern os direitos de fabricação da arma. Essa empresa era um arsenal governamental, portanto sua produção seria dirigida totalmente ao mercado policial e às forças armadas. De 1924 a 1933 a Waffenfabrik Bern produziu 17.874 pistolas. Elas eram idênticas ao modelo 1906 em calibre 7,65mm, com cano de 4″ 3/4 e trava de segurança na empunhadura. Não possuíam o acabamento lustroso e razoavelmente brilhante das produzidas anteriormente pela D.W.M. e possuem algumas pequenas marcas de usinagem não eliminadas no acabamento. Porém, de um modo geral a qualidade dessas pistolas era idêntica às produzidas na Alemanha.
A pistola Parabellum (Luger) fabricada em 1924 (modelo 1906) pela Waffenfabrik Bern, na Suíça, em calibre 7,65mm Parabellum – foto do autor
As talas da empunhadura, em madeira, eram zigrinadas à maneira das alemãs mas possuíam uma borda lisa na parte dianteira e posterior. O extrator era marcado com a palavra “GELADEN” (carregada) e ao invés do logotipo entrelaçado da D.W.M. na parte central do ferrolho, havia a inscrição Waffenfabrik Bern em duas linhas, e sobre ela a gravação do emblema da Cruz Suíça mas sem o tradicional desenho do sol brilhante, abaixo dela.
A partir do final de 1928 a Waffenfabrik Bern começa a produzir aquela que é uma das mais estranhas variações da Luger: o denominado modelo 1929. Embora baseada no conceito mecânico das 1906, ela não é necessariamente uma cópia fiel da Parabellum, e sim, uma alternativa mais simplificada e mais barata de ser produzida.
O modelo suíço de 1929, com alterações no projeto visando maior facilidade e custo mais baixo de produção, em calibre 7,65mm Parabellum
O modelo 1929 foi fabricado até 1948 e exatamente 29.857 armas desse modelo foram produzidas. Suas diferenças em relação ao projeto original são notadas assim que são examinadas de bate-pronto. A empunhadura não possui a curvatura final existente na parte anterior, mas sim, traça uma linha reta desde o seu início na parte inferior do guarda-mato. As talas da empunhadura são de plástico negro, zigrinadas totalmente. Todos os demais acabamentos recartilhados existentes na Luger original foram eliminados, utilizando-se superfície lisa, como nas rodilhas do ferrolho, botão de retirar o carregador, tecla da trava de segurança e alavanca de desmontar.
A trava de empunhadura é quase o dobro mais longa que nas 1906, a placa quadrada de cobertura do mecanismo do gatilho foi redesenhada e a própria tecla do gatilho foi simplificada. A alavanca da trava de segurança possui a letra “S” (Sicher) gravada em branco, indicando a posição de arma travada.
Detalhe da parte superior da pistola modelo 1919 – Como o exemplar da foto, a letra P gravada sobre o número de série indica que a arma foi “desmilitarizada”, ou seja, repassada para a população civil
O PERÍODO PRÉ II GUERRA
Em 1933 o Partido Nazista assume o governo na Alemanha, com Adolf Hitler tomando posse como chanceler; a partir daí, as restrições impostas pelo Tratado de Versalhes passaram a ser descaradamente desobedecidas; o novo governo iniciou um investimento de grande monta em material bélico, o que era claramente proibido à Alemanha. Era o início da mais poderosa “máquina de guerra” que a Europa e o mundo jamais tinham visto antes.
Desde 1937 a tradicional fabricante de armas Carl Walther, cujas pequenas pistolas modelos PP e PPK já eram muito utilizadas e apreciadas como armas de defesa pessoal por oficiais das forças armadas, cortejava o Governo Alemão com o intuito de fornecer uma nova arma, que entraria para as fileiras do Exército em substituição às Parabellum P. 08. Neste mesmo ano, a Walther submete à testes de campo seu modelo HP, que foi muito bem aceito e elogiado pela comissão, pois tratava-se de uma pistola com características avançadas e sem alguns dos problemas críticos que as Luger costumavam apresentar, como falhas de operação devido à excesso de sujeira, óleo e poeira, que facilmente penetravam no mecanismo, muito justo e parcialmente exposto. Uma certa intolerância em relação à munição também era um caso sério na Luger, pois em tempos de guerra a qualidade e a inspeção final são muito desprezadas, o que resultava cartuchos mal feitos que não funcionavam bem na pistola.
A pistola Walther P38 em calibre 9mm Parabellum
A comissão alemã, que pouco antes do início da II Guerra já estudava a substituição das pistolas Luger decide então, em 1938, adotar a pistola da Walther, que passou a receber a denominação de P. 38, ou seja, Pistole 38. Porém, com a invasão da Polônia pela Alemanha logo depois, em 1939, a pistola Luger entra na guerra ainda como a arma individual mais presente nas mãos da Wermacht, da Kriegsmarine e da Luftwaffe (exército, marinha e aeronáutica, respectivamente) bem como muito utilizada pelas tropas independentes, tais como as S.S.
A II GUERRA MUNDIAL
A substituição das Lugers pelas P.38 em tempo de guerra foi feita paulatinamente, sendo que a nova pistola P.38 necessitava ser fabricada por outros fornecedores, pois só a Carl Walther não possuía condições para suprir toda a demanda. Dessa forma, a Alemanha contou durante muitos anos com a utilização das duas armas, simultaneamente.
Pistola Luger (Parabellum) “New Model” do tipo 1908, adotada pelo Exército Alemão em 1908, em calibre 9mmX19 (9mm Parabellum) e ainda utilizada durante a II Guerra
Já desde antes do início da guerra, a Alemanha adotou diversos códigos destinados a identificar os fabricantes de seus materiais bélicos, também com o intuito de confundir os aliados quanto à descoberta deles e de suas localizações. A partir de 1934, a Mauser passa a usar o código S/42 e pela primeira vez o famoso “banner” da Mauser passa a ser usado no lugar do monograma da D.W.M. As armas com o banner Mauser eram, supostamente, para fins comerciais. Códigos também foram criados para identificar a data de fabricação, como as letras K para 1934 e G para 1935.
Era uma P-08 padrão, cano de 4″, engate de coronha e sem trava de segurança na empunhadura. Essa marcação era mais um dos intricados códigos criados na Alemanha, a fim de dificultar em tempos de guerra, quais eram e onde se situavam os fabricantes de armas. Foram produzidas milhares de pistolas com a marcação S/42. O acabamento era o oxidado à banho quente, inclusive no carregador (em algumas variantes), e este possuía o botão inferior em alumínio ao invés de madeira.
Pistola P.08 de fabricação Mauser, código “42” e o “banner” do fabricante gravado sobre o ferrolho
Em 1935, conforme rumores que circularam nos meios industriais, por influência e interesse financeiro do Marechal Hermann Goering, o homem mais forte do Governo depois de Hitler, o fabricante Heinrich Krieghoff Waffenfabrik (Suhl), que mantinha relações de amizade com Goering, passou a ser um fornecedor alternativo das P.08 para o governo, apesar de que a capacidade de produção era muito abaixo do que possuía a Mauser. Até 1939, a Krieghoff não produziu nenhuma pistola completa: ela simplesmente as montava. Segundo documentos obtidos pós guerra, até o número serial 9.000 as pistolas eram montadas e os 4.000 restantes foram, realmente, produzidas pela fábrica.
A bem da verdade, Krieghoff recebeu de “mão beijada” todo o ativo da Simson & Co., de Suhl. A política anti-semita nazista não permitia que judeus possuíssem propriedades e empresas, e a Simson foi confiscada pelo governo e assim, presenteada ao amigo de Goering.
Detalhe da parte superior de uma P.08 Mauser, onde se vê os códigos “42” e “byf” gravados na arma
Em 1941 a Mauser recebeu um novo código “byf” e muitas das pistolas dessa época foram datadas sobre a câmara com os anos de 1941 e 1942. Com a demanda do Governo crescendo em direção à substituição das Lugers pelas Walther P38, a Mauser iniciou a produção desta pistola em julho de 1941, sendo que 340.000 delas saíram de sua fábrica. A produção das P.08, portanto, começava a declinar vertiginosamente.
Documentos comprovam que a Mauser cessou a produção da P-08 em junho de 1942 e que apesar da Alemanha estar em plena guerra, em dezembro de 1942 a Mauser fecha um contrato com Portugal de 4.000 pistolas em calibre 9mm, denominadas de Portuguese Contract M943. De setembro de 1939 até o final da produção das Lugers em junho de 1942, foram produzidas pela Mauser 316.898 armas para a Wehrmacht (Exército), 8.000 para a Kriegsmarine (Marinha) e 88.000 para a Luftwaffe (Aeronáutica), num total de 412.898 pistolas.
Pistola P.08 de fabricação Mauser, código “byf” de 1942, uma das últimas Lugers produzidas por aquela marca
Afortunadamente para seus habitantes, Oberndorf não sofreu danos durante a guerra. Nenhuma bomba caiu e nenhuma granada explodiu ali para quebrar a tranquilidade e serenidade da Floresta Negra. Com o final da guerra eminente e inevitável, os funcionários da fábrica da Mauser assistiam agora, calmamente, a entrada do Exército Francês que tomou a cidade como as Forças de Ocupação. Em 1946, acredita-se que a Mauser ainda chegou a montar uma certa quantidade de pistolas P.08, utilizando-se principalmente de peças remanescentes nos estoques, e que foram enviadas e comercializadas na França. Isso também ocorreu em Suhl, com a Krieghoff, que caiu nas mãos dos americanos. Diversas pistolas foram produzidas e também levadas aos Estados Unidos, provavelmente por pessoal militar.
Um fabuloso painel, exibido num exemplar das Guns & Ammo de 1968, reunindo 14 variações da Parabellum, cena só vista raramente em acervo de colecionadores: 1- Navy 1906, 2-Persian Artillery, 3-1920 Carbine, 4-Royal Dutch AF (Força Aérea Holandesa), 5- 1902 Carbine, 6-1916 Navy, 7-1915 Artillery, 8- Magazine-Counter Luger, 9-1923 cano de 16″, 10-1923 Stoeger, 11-1906 Amercican Eagle, 12- 1902 American Eagle, 13- Bulgarian, 14-1923 cano de 12″. Ao fundo, diversas condecorações alemãs das I e II Guerras
ACESSÓRIOS DIVERSOS
Durante sua existência as pistolas Parabellum foram equipadas e fornecidas com uma infinidade de acessórios, compreendendo ferramentas para limpeza e desmontagem, carregadores especiais, coldres, coronhas e kits de conversão de calibres.
De cima para baixo e da esquerda para a direita, (1) modelo Naval, (2) pistolas com cano de 4″ 3/4, (3) Holandes, (4) Suéco, (5) Suíço, (6) para canos de 8″, (7) Militar alemão para P.08 e (8) American Eagle (testes de 1901)
Os coldres eram manufaturados em couro e geralmente apresentando muito boa qualidade de acabamento, nas cores preta e marrom. Alguns modelos eram dotados de tampas e corpo mais rígidos, dependendo de suas variações. Convém lembrar que os coldres, a exemplo do que ocorria também com as coronhas, nem sempre eram desenvolvidos pela D.W.M. e sim, pelos próprios países que importavam a pistola. Existem inúmeras versões de coldres desenvolvidos na Suíça, Holanda, Bulgária e Suécia, geralmente projetados para alguma unidade específica, seja ela militar ou policial.
Coldre “GNR” com bolsa avulsa para dois carregadores, chave de fenda / municiador, vareta de limpeza com compartimento para lubrificante e saca-pinos
As coronhas eram também de diversos tipos, acompanhando a arma ou sendo vendidas separadamente. Alguns modelos, construídos em uma só peça de madeira maciça, possuíam algumas aberturas feitas na madeira especialmente para permitir a montagem de alças de fixação dos coldres de couro.
Vemos acima as coronhas para pistola Borchardt, Luger Naval, Carabina e coronha para pistola com 8″ de cano
Essas coronhas acima eram destinadas às pistolas modelo Artillery e lembram muito as usadas pelas pistolas Mauser C96, servindo para armazenar a arma em seu interior
Um dos acessórios das Parabellum que sempre chama mais a atenção é o carregador de tambor, denominado de “snail-drum”. Apesar de terem sido originalmente concebidos para serem usados nos modelos Artillery, na verdade esse acessório poderia ser utilizado em qualquer modelo da pistola, uma vez que se encaixa no alojamento do carregador, que era o mesmo para todas elas. Tinha a capacidade para 32 cartuchos e um tanto demorado e complicado de ser carregado. O tambor não podia ser aberto, tal como ocorria com os utilizados pelas metralhadoras Thompson, o que agilizaria em muito o processo. Os cartuchos tinham que ser inseridos um a um. A primeira dúzia deles entrava com certa facilidade e sem uso de ferramentas mas, a partir daí, era necessário usar a ferramenta auxiliar que acompanhava o conjunto. Os “snail-drums” só trabalhavam com cartuchos calibre 9mm.
Conjunto carregador para 32 cartuchos onde se vê adaptador, tampa de proteção e dispositivo com alavanca para auxiliar o processo de carregamento
Mesmo durante os anos pré-guerra na Alemanha, alguns pequenos fabricantes independentes lançaram kits de conversão para calibres menores, geralmente em .22Lr ou 4mm, para uso nas pistolas Parabellum. Entretanto, nenhum deles teve tanto sucesso comercial como o kit lançado pela empresa Erma (Erfurt Machinen), a mesma empresa que fabricava as famosas sub-metralhadoras MP-38 e MP-40. Após a II Guerra, com a enorme penetração que as pistolas Luger tiveram nos USA, levadas aos montes como souvenir de guerra e também adquiridas em lotes e aos milhares, como sobras de guerra, por empresas que souberam aproveitar muito bem esse filão do mercado, o kit de conversão da Erma virou um “must” naquele país.
As versões mais antigas, destinadas a unidades militares com a finalidade de treinamento, eram alojadas em caixas de madeira como a que vemos na foto abaixo.
O conjunto em calibre .22, o mais popular, consistia em um carregador, um cano, uma manga rosqueada para fixação do cano e um conjunto de ferrolho. Desmontava-se a pistola, retirando-se o ferrolho e inseria-se o cano do kit pela parte posterior, por dentro do cano original, no caso sempre em calibre 9mm. Como esse cano era mais longo, a parte dianteira saía pela boca do cano e aí se atarrachava uma rosca de fixação. O próprio ferrolho possuía suas molas recuperadoras e, obviamente, embora lembrassem o sistema de ação de joelho original da arma, não atuavam como travamento de culatra, desnecessário devido ao calibre de baixa potência; neste caso, como não havia recuo de cano, o ferrolho se abria como numa pistola do tipo “blowback”.
Material promocional da década de 50, distribuído pela importadora americana Interarmco, de Washington, revendedora exclusiva dos kits de conversão da Erma nos USA
A NUMERAÇÃO SERIAL
A sequencia utilizada para a numeração serial das pistolas seguiam 3 maneiras. As armas comerciais iniciavam em 1 e a contagem prosseguia normalmente. Os contratos possuíam sua própria sequencia numérica, iniciando em 1 e prosseguindo até o término do contrato, como ocorreu com o Brasil. A sequencia militar também iniciava em 1 e ao chegar em 10.000, retornava ao número 1 mas seguido da letra “a”. Ao atingir novamente a casa dos 10.000, o serial 1 agora era acrescido da letra “b” e assim, sucessivamente.
Os números seriais eram, com raríssimas exceções, timbrados na parte dianteira da armação, acima do guarda-mato, e embaixo do cano, quase na sua junção com a armação. Os dois últimos dígitos da numeração serial eram timbrados em quase todas as peças restantes, indicando assim que as peças eram “casadas” com a armação e faziam parte dela originalmente. Nos primórdios da produção até pré II Guerra, as peças das pistolas comerciais, de contrato e militares possuíam a numeração camuflada, dentro do possível, por motivos estéticos. Durante a II Guerra e armas produzidas por outros arsenais e fabricantes, não se tinha muito essa preocupação da aparência, e os dois dígitos começaram a ser carimbados nas faces expostas da arma.
OS RE-LANÇAMENTOS MODERNOS
Pelo menos em duas ocasiões as pistolas Parabellum tiveram a chance de serem ressuscitadas. Em meados da década de 70, a Mauser Waffenfabrik localizou um maquinário desativado, pertencente à Waffenfabrik Bern, Suíça, o mesmo que foi destinado para a fabricação do modelo suíço de 1929, já comentado acima. Com esse equipamento em mãos, a Mauser, em comum acordo com uma importadora norte americana, a Interarms, sediada na Virgínia, resolve bancar a produção de um lote de pistolas que seriam postas à venda no mercado americano.
Entretanto, a empreitada teria feito muito mais sucesso se o modelo relançado não fosse baseado no modelo suíço de 1929, que como já descrito acima, diferenciava bastante das pistolas “tradicionais”. De qualquer maneira, a Mauser produziu essas pistolas até 1986 e todas foram vendidas. Embora o calibre original da 1929 fosse o 7,65mm, essa nova versão também foi oferecida em 9mm Parabellum, tentando com isso atingir um leque maior de consumidores.
A “nova” Luger 29/70, produzida pela Mauser e comercializada na forma deste kit, nos USA
Heinrich Krieghoff, como já comentado acima, até hoje um fabricante alemão de armas esportivas de excelente prestígio no mundo, produziu pistolas 13.850 pistolas P-08 durante 1934 a 1945, tentando suprir a grande demanda que a Mauser, sozinha, não conseguia fornecer. Em 2006, a empresa, com apoio de divulgação e vendas da Simpson Ltd, USA, decide produzir um lote de somente 20o peças, numeradas serialmente de 18001 a 18200, mas agora um modelo exatamente idêntico ao P-08, em calibre 9mm., denominadas de 2006 Limited Edition.
O kit lançado pela Heinrich Krieghoff vendido nos USA, a preços que chegaram a US$ 18.000,00
Essa nova pistola foi fornecida com carregador niquelado com botão inferior em alumínio, ferramenta de desmontagem, manual, placas de empunhadura de baquelite, estampa do fabricante sobre o ferrolho e usinada totalmente de acordo com os métodos da época. Além disso, o kit era embalado em uma maleta feita de um bloco maciço de alumínio e usinado internamente para o encaixe das peças, maleta que é guardada em uma sacola com alças. Não há mais oferta dessas peças à venda, como novas. Todas as 200 peças já foram comercializadas anteriormente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desta forma termina, depois de mais de 40 anos, a jornada histórica dessa fabulosa arma. Nenhuma outra pistola semi-automática, até hoje fabricada carregou em suas costas tanta mística e tanta idolatria. Em todos os anos de sua existência, a Parabellum foi adotada e utilizada por dezenas de países, sendo que em alguns, como na Suíça, permaneceu mais tempo em serviço do que no seu próprio país de origem. Por mais críticas que possa ter recebido, algumas até justificadas, e por mais defeitos que possa ter (e qual arma não os possui?), a pistola Parabellum foi um dos projetos de maior sucesso comercial e militar no mundo. É uma das pistolas que possui a melhor pontaria instintiva já fabricada, pelo seu excelente balanço e ergonomia.
Ela teve a honra de ter sido a primeira arma no mundo a utilizar o cartucho 9mm (9X19), hoje padrão mundial nas maiores forças armadas do planeta e o cartucho de maior sucesso já projetado até hoje. Pouquíssimas armas curtas rivalizam com a Luger tamanha legião de aficionados, admiradores e colecionadores, alguns deles chegando ao ponto de dedicarem coleção exclusivamente à ela, reunindo o maior número possível de variações, que podem chegar a mais de 300, já catalogadas. Não há nenhuma coleção de armas curtas, ou mesmo coleções expostas em museus de todo o mundo, em que não haja pelo menos um exemplar dessa arma.
Nem mesmo o Brasil escapou de sua influência. Além de ter sido utilizada pelo nosso Exército a partir de 1908, a Luger foi participante ativa dos conflitos envolvendo o cangaço nordestino. Consta que o famoso Lampião, e vários outros seus companheiros de bando, ostentavam suas Parabellum com muito orgulho.
Ao lado, nesta famosíssima e degradante foto, exibindo-se como troféus as cabeças decapitadas de Lampião e vários outros de seu bando, nota-se pelo menos tres exemplares de Parabellum, por ali espalhadas.
Como todo objeto mítico, fábulas e lendas também rodeiam a história dessa arma. Aqui, no site Lampião Aceso, meu prezado amigo Aurelino Fábio, brilhante historiador e estudioso de armas e do cangaço que é, nos descreve fatos interessantíssimos da convivência dos cangaceiros com suas armas, bem como do coronelismo que imperava no sertão nordestino durante os anos 20 e 30 do século passado.
APÊNDICE 1: COMO FUNCIONA O SISTEMA DE “AÇÃO DE JOELHO” (TOGGLE-JOINT)
O sistema de trancamento de ferrolho denominado de “toggle-joint”, algo como “articulação de joelho” em tradução literal, consiste em três segmentos unidos e articulados entre si por pinos, como se fossem dobradiças, e que na sua posição de repouso, ou seja, culatra totalmente fechada, os eixos desses três pinos ficam perfeitamente alinhados, sem a possibilidade de se desarticularem a não ser que sofram alguma ação externa. Veja no esquema abaixo, as três peças que compõem o ferrolho se articulam por três pinos, em vermelho, que nesta posição estão perfeitamente alinhados. Da forma como estão, se houver um disparo do cartucho, essa culatra não se abrirá, a não ser que ocorra um evento que provoque a desarticulação do ferrolho.
Um teste fácil pode ser feito para ilustrar o sistema na prática: estando a arma com a culatra fechada, obviamente sem cartucho na câmara; segurando a arma pelo seu cano, insere-se pela boca do cano, usando a outra mão, uma vareta rígida até que ela atinja a cabeça do ferrolho. Pressiona-se então mais fortemente tentando empurrar e abrir o ferrolho. Ele não se abrirá, pois as articulações estão perfeitamente alinhadas. Essa pressão exercida pela vareta é análoga a um cartucho disparado, tentando empurrar o ferrolho para trás.
O sistema ação de joelho “toggle joint” da pistola Parabellum (Luger). Os pontos vermelhos indicam as três articulações do ferrolho, que ficam perfeitamente alinhadas quando a arma está fechada. Note a biela (em formato de S) e o “link” (em formato de um V) de ligação da última parte do ferrolho com a mola recuperadora, posicionada na empunhadura, atrás do carregador
Na foto acima, o ferrolho de tres seções extraído da armação e com os pinos alinhados horizontalmente – a rodilha possui um pino interno, junção da segunda com a terceira seção – a biela pendente da última seção serve de ligação com a mola recuperadora
Aqui vemos o conjunto do ferrolho desarticulado, onde se percebe claramente as três seções
Desenho esquemático com o ferrolho totalmente desarticulado e aberto
Culatra iniciando o movimento de abertura, logo após o recuo do cano e as rodilhas terem sido levantadas de sua posição quando pressionadas contra as rampas laterais da armação
Imaginando-se a arma carregada, com um cartucho na câmara e pronta para o disparo. A culatra está fechada e trancada, pois os três pinos de articulação estão alinhados horizontalmente. Ao se disparar o tiro e ao sair o projétil pela boca do cano, todo o conjunto composto de cano, prolongamento do cano e ferrolho, recuam alguns milímetros, solidários, por ação dessa força. Durante esse recuo inicial, o ferrolho permanece fechado com seus eixos alinhados.
Entretanto, devido ao movimento para trás, as duas rodilhas laterais do ferrolho, que possuem um pino de articulação em seu centro, são lançadas contra duas rampas existentes na armação, uma de cada lado (veja foto acima) que causa o seu levantamento. É neste instante que se quebra o alinhamento do ferrolho. A energia remanescente e já bem diminuída dos gases da queima do cartucho continuam a impulsionar o ferrolho até que ele se abra completamente, extraindo o cartucho da câmara.
Acima, desmontagem parcial do ferrolho com a retirada do percussor, mola e retém. Note a biela em forma de um S fixada à última parte do ferrolho, que serve de ligação com a mola recuperadora
Assim que o ferrolho se abre totalmente, inicia-se o ciclo de recarregamento da arma, pois com a ação da mola recuperadora, que foi comprimida durante a abertura, ocorre uma força sobre a biela de ligação com o ferrolho e o mesmo retorna à sua posição inicial, inserindo novo cartucho na câmara e engatilhando o percussor.
APÊNDICE 2: DESMONTAGEM
As pistolas Parabellum foram desenvolvidas para que permitam sua desmontagem sem uso de ferramentas. Seus dois únicos parafusos são os que fixam as talas de madeira à empunhadura. O restante da arma é desmontado, pelo menos até uma determinada etapa, somente com as mãos.
Certifica-se primeiro que a arma se encontra desmuniciada. Retira-se o carregador pressionando-se o botão retém. Abre-se a culatra e examina-se se há algum cartucho alimentado na câmara; caso houvesse, o mesmo já foi devidamente ejetado. Empunhando-se a arma com a mão direita, apoia-se a boca do cano sobre uma superfície firme mas que não machuque a peça, como uma base de borracha dura.
Faz-se pressão da arma contra essa base até que o cano recue na sua posição máxima. Com a mão esquerda, gira-se 90º para baixo o retém do conjunto cano-ferrolho, situado logo à frente do gatilho. Retira-se assim a chapa quadrada que cobre o mecanismo do gatilho. Alivia-se a pressão sobre o cano e agora é possível puxar o conjunto cano-ferrolho para a frente, retirando-0 da armação. Ao puxar esse conjunto, atente para a pequena biela existente na parte posterior do ferrolho, peça que se conecta no balancim da mola recuperadora.
Se houver necessidade, o gatilho pode ser removido bastando puxá-lo para fora de seu alojamento, tomando cuidado de não perder a mola espiral existente ali. O último pino de articulação do ferrolho, na parte posterior, pode ser removido facilmente pressionado o mesmo do lado direito para o lado esquerdo. Retirando-se esse pino, o ferrolho completo pode ser retirado do prolongamento do cano, deslizando-o para trás.
O percussor pode ser facilmente retirado, usando uma chave de fenda pequena, pressionando-a contra a fenda existente no retém (parte posterior da cabeça do ferrolho) e girando esse retém em 90º. Segure um pouco a leve pressão da mola e retire o conjunto retém, mola e percussor.
As talas de madeira podem ser retiradas com a remoção dos dois parafusos laterais. A desmontagem após essa etapa raramente é necessária, uma vez que neste estado a pistola pode ser facilmente limpa e lubrificada.
Visão geral uma desmontagem parcial de uma 1908 em calibre 9mm
Vista explodida de uma 1906 em calibre 7,65mm com trava de empunhadura – somente o conjunto da ação de joelho permaneceu montado, o que é aconselhável
Detalhe da tecla do gatilho e da alavanca retém de desmontagem – foi retirada a placa lateral que cobre o gatilho, que possui uma alavanca articulada internamente, que faz a união do gatilho com o pino da armadilha, visto claramente na foto
Vista explodida da pistola P.08
APÊNDICE 3: DADOS ESTATÍSTICOS RELEVANTES
A DWM iniciou a produção de pistolas em 1900, sendo assim a primeira empresa a produzi-las. A maioria das armas fornecidas para contratos internacionais, uso comercial e militar foram produzidas por ela, em número estimado em pouco mais de um milhão de armas. A DWM foi resultado da fusão da Deustscha Metallpatronenfabrik estabelecida em Karlsruhe com a Ludwig Loewe, de Berlim. Produziram todas as pistolas existentes até 1908. De 1908 até o final da I Guerra em 1918, produziu a metade de todas as armas fornecidas ao governo. A empresa que compartilhou com a DWM a produção de armas foi a Simson & Co., de Suhl. A DWM cessou as atividades em 1930, quando se fundiu com a Mauser Werke. A qualidade de fabricação, esmero e acabamento das armas da DWM sempre foram do mais alto padrão.
Erfurt foi o arsenal imperial alemão, que também produziu Lugers de 1910 a 1918. Erfurt chegou a produzir cerca de 520.000 e elas são, em termos de aparência e acabamento, as menos atrativas, com muitas marcas de usinagem em peças aparentes. Entretanto, a qualidade do material era excelente e a confiabilidade das armas, idem. Após a guerra, com a implantação da República de Weimar, seus equipamentos foram confiscados e vendidos à ERMA Werke.
A Vickers produziu pouco mais de 10.000 armas, a maioria para suprir a demanda do Governo Holandes. No início a DWM fornecia à Vickers componentes pré ou totalmente acabados, deixando montagem e ajustes por conta da empresa. O acabamento das Lugers produzidas pela Vickers também é rústico, apesar de ainda utilizarem a oxidação à frio.
A Waffenfabrik Bern, na Suíça, produziu Lugers de 1924 a 1929, com um total estimado de 48.000 armas. A Simson & Co., por sua vez, produziu pistolas durante e após a I Guerra. Neste período, e empresa ficou estritamente vigiada por comissões estrangeiras, conforme ditavam as regras do Tratado de Versalhes. Pistolas padrão P08 militares e policiais foram feitas ali de 1922 a 1934. Por ser uma empresa pertencente a família de origem judia, sofreu confisco após os nazistas subirem ao poder. Cerca de 12.000 pistolas foram fabricadas pela Simson. A qualidade geral de manufatura era a mesma do padrão da DWM.
Em 1930 a Mauser Werke assumiu as operações da DWM, através da empresa BKIW (Berlim-Karlsruhe Industrie Werke), que era a acionista majoritária da DWM. De 1934 em diante, a Mauser produziu as pistolas tanto para uso comercial, contratos externos e uso policial. Tornou-se o principal fabricante da Luger, até cerca de 1942. O que principalmente causou a interrupção da produção das Lugers foi a introdução da pistola Walther P38, adotada pelo governo alemão em substituição à Luger. A Mauser chegou a produzir quase um milhão de pistolas Parabellum, quase se equiparando à DWM. Alta qualidade e boa aparência final era o padrão dessas armas. A eles se credita à mudança do acabamento externo de oxidação à frio para oxidação à banho quente.
Heinrich Krieghoff era um fabricante de espetaculares rifles de caça e armas esportivas. Krieghoff achou oportuno se aproximar da Luftwaffe de Herman Goering, detalhe que outras empresas nunca relevaram. Com isso, estreitaram os laços de amizade com o lider nazista. Com o confisco da Simson, a Krieghoff abocanhou todo o ativo daquela empresa e começou a produzir as Parabellum, com um contrato com a Lufwaffe de 10.000 armas. A produção das metralhadoras MG-15 e o fuzi, FG-42 também fez parte da produção da empresa. Por volta de 14.000 pistolas foram feitas pela Krieghoff, todas em acabamento oxidado à banho quente, como as Mausers. Foram as pistolas que mais aceitavam intercambialidade de peças com facilidade, algo que era crítico nas armas de outros fabricantes.
RESUMO CRONOLÓGICO
1849 – Nasce Georg Luger na região do Tirol, Áustria.
1860–1892 – Hugo Borchardt trabalha em vários projetos de armas nos USA e faz os primeiros esboços da sua pistola.
1891 – Georg Luger inicia seus trabalhos na Ludwig Loewe.
1893 – A Ludwig Loewe de Berlin inicia a produção em série da pistola Borchardt.
1896 – Luger patenteia seu primeiro protótipo da sua pistola.
1898-1899 – A D.W.M. inicia os projetos de fabricação.
1900 – A Suíça faz sua primeira encomenda da pistola Parabellum.
1902 – George Luger projeta o cartucho 9mm (9mmX19mm).
1904 – A Marinha Alemã adota a pistola Parabellum.
1906 – George Luger faz suas primeiras alterações de grande monta na pistola.
1907 – Luger leva pessoalmente duas pistolas em calibre .45 para testes do Exército Americano.
1908 – O Exército Alemão adota a pistola com o nome de P-08 em calibre 9mm.
1914 – Inicia-se a produção da Parabellum modelo “Artillery”.
1929 – A Waffenfabrik Bern, na Suíça, resolve fabricar seu modelo próprio.
1930 – A B.K.I.W incorpora a Mauser e a D.W.M. em uma só companhia.
1937 – Aparece a substituta da P-08 no Exército – a Walther P-38.
1939 – A II Guerra Mundial eclode na Europa.
1942 – Cessa a produção da pistola Parabellum.
1945 – Sob ocupação francesa, a Mauser Werke retoma a produção em baixa escala da pistola, inclusive em versões como a Artilharia.
1969 – A Mauser Oberndorf resolve, após ressucitar maquinário e ferramental original, produzir as pistolas Parabellum, cuja produção durou até 1986.
Autor do Blog: armasonline.org
PAULO CESAR FIERRO FELICIO
28 de outubro de 2022 at 20:48
Boa noite tenho uma luguer parabellun 1918 com dois canos o outro mais longo de 1917 em perfeito estado de funcionamento e toda original nunca restaurada por estar em excelente estado gostaria de saber como posso vender a mesma era do meu pai que veio a falecer e não tenho interesse pois não sou colecionador