Os 10 Mandamentos da Recarga de Munições: regras de um veterano para atuar bem nessa atividade
Imagem da internet.
Após décadas na atividade de Recarga de Munições pude formular e definir algumas regras e conceitos que me norteiam até hoje. Quando iniciei na recarga nos anos 1980, o mercado era muito diferente do que temos agora. Havia poucos fornecedores de componentes, a informação era escassa, não tínhamos Internet e livros e manuais levavam meses para chegar do exterior.
Após décadas na atividade de Recarga de Munições pude formular e definir algumas regras e conceitos que me norteiam até hoje. Quando iniciei na recarga nos anos 1980, o mercado era muito diferente do que temos agora. Havia poucos fornecedores de componentes, a informação era escassa, não tínhamos Internet e livros e manuais levavam meses para chegar do exterior.
Para complicar, os itens essenciais eram raríssimos, quase todas as ferramentas eram trazidas dos EUA e a prática era mal vista pela maioria dos atiradores. Para me dar bem nessa atividade apliquei o que aprendi de Iniciação Científica na faculdade, tratando a recarga com métodos e procedimentos. Para essa metodologia criei algumas regras que muito me ajudaram a ter sucesso nos meus experimentos. Chamo essas regras de os “10 mandamentos” da recarga.
Seguir esses mandamentos sempre me ajudou a manter certa independência do mercado e evitar maiores dificuldades na obtenção de munição barata e de qualidade para minha prática de Tiro. Acredito que essas regras possam orientar todo aquele que quer agir corretamente na prática de montar sua própria munição. Assim, para conhecimento dos recarregadores novatos e veteranos, repasso e comento a minha lista dos 10 Mandamentos da Recarga de Munições. São elas:
Autossuficiência
Proficiência
Estoque
Reserva
Informação
Segurança
Bom senso
Prevenção
Precaução
Método
1 – AUTOSSUFICIÊNCIA
Ser autossuficiente em equipamentos, ferramentas e estoques;
Ser autossuficiente é ser autônomo e independente. É não depender de outras pessoas para poder desempenhar a sua recarga de munição. Também é não precisar de ferramentas emprestadas, não contar com componentes de terceiros nem ter que fazer adaptações grosseiras para resolver todas as etapas da Recarga. Para isso o recarregador deve adquirir constantemente ferramentas adequadas, manter estoque de componentes de que precisa, guardar componentes que possam interessar a outros (para escambo) e planejar evoluções no seu equipamento. Num país onde a atividade de Recarga de Munição é restrita e de difícil desenvolvimento, ser autossuficiente é prevenir situações em que o recarregador fique sem poder montar sua munição por falta de componentes ou de ferramentas adequadas. Tenha ferramentas suas, mantenha estoque seu, não dependa de terceiros e esteja sempre à procura de itens e produtos para incrementar sua oficina. A busca pela autossuficiência é uma das mais importantes regras da Recarga de Munições.
2 – PROFICIÊNCIA
Ser proficiente em todas as etapas da Recarga de Munições;
Ser proficiente é ser apto, capaz, competente, habilidoso e preparado para desempenhar todas as etapas da recarga. É estudar, compreender e buscar conhecer a fundo os detalhes envolvidos em cada etapa de recarga, eliminando falhas, mitos, invencionices e erros. A qualidade de uma munição recarregada está diretamente relacionada com a habilidade manual e conhecimento da pessoa que a prepara. De nada adianta ter o melhor equipamento do mercado se não há conhecimento de como se opera determinada ferramenta nem quais as características de cada componente envolvido na munição. Procurar a proficiência na Recarga de Munições é buscar dominar os procedimentos e técnicas envolvidas na atividade e ter em mente que sempre se estará em busca de mais conhecimento, pois esta é uma ciência em constante desenvolvimento e evolução. Na Recarga de Munições devemos ser eternos aprendizes.
3 – ESTOQUE
Manter sempre um estoque completo e renovado de componentes;
Manter um estoque completo e renovado de componentes dá ao recarregador segurança para não ser surpreendido por restrições que lhe tirem a possibilidade de montar munição quando esta lhe é necessária. Num mercado onde temos monopólio de certos itens, ter um bom estoque representa disponibilidade e dinheiro em caixa, pois a maioria dos componentes não sofre degradação, a exceção talvez das pólvoras. Ter estoque num nível que propicie margem de suporte para eventual escassez representa também estabilidade, garantia e prevenção. O recarregador deve tentar manter um estoque que represente o dobro do seu consumo anual como forma de salvaguarda. Essa regra serve principalmente para as espoletas, o componente mais crítico de obtenção.
4 – RESERVA
Ter redundância em máquinas e ferramentas para evitar a paralisação de produção;
Por reserva entende-se a obtenção em duplicidade de ferramentas e acessórios básicos da Recarga de Munições, de forma a não ficar impedido de dar continuidade ao trabalho por quebra, desgaste ou perda de um item. É poder substituir uma ferramenta ausente por outra extra, sobressalente, evitando-se a paralisação da recarga. Usando-se um termo de Informática, reserva é ter sempre um backup de martelos de inércia, chaves de fenda, chaves Allen, despoletadores, balanças de precisão, sistemas de espoletagem, etc. Outro termo que aqui se aplica, vindo da Informática, é redundância, onde um sistema não deixa de funcionar por ter outro sistema espelhado. Em relação a itens de reserva, deve-se lembrar que os preços das ferramentas de Recarga de Munições praticamente não se depreciam como outros itens convencionais. Servem para trocas por outras ferramentas e comercialização. Ter certas ferramentas em dobro significa autonomia e independência.
5 – INFORMAÇÃO
Manter biblioteca técnica sobre o assunto e obter todo tipo de informação;
Procure obter e ler manuais, livros, artigos, publicações e informativos técnicos sobre técnicas de recarga e tabelas de pólvoras. Leia tudo o que puder antes de começar um projeto de recarga. É o que eu chamo de “imersão na informação”, sem o qual o interessado irá aprender apanhando na prática. A maioria das boas informações está em língua estrangeira, mas já aparecem no mercado manuais e informes em português, que muito ajudam o recarregador na hora de escolher componentes e montar munição. Informação é um dos maiores tesouros da Humanidade e quanto mais o recarregador tiver conhecimento, mais segurança e qualidade ele obterá nas suas atividades. Há uma piadinha no ramo da engenharia que diz: “quando tudo der errado, leia o manual de instruções”. Ou seja, é muito melhor ler os manuais de recarga antes de partir para prática com seu equipamento. Em tempo: mesmo estando na era da digitalização, dê preferência para literatura em papel, que não depende de energia elétrica para ser lida ou acessada.
6 – SEGURANÇA
Sempre montar munição e desenvolver cargas tendo em vista a segurança;
Pode parecer um mandamento óbvio, mas deve-se reforçar a ideia de que a Recarga de Munições é uma atividade onde a segurança deve sempre estar em evidência. Trabalhamos com explosivos e componentes perigosos, alguns deles danosos à saúde. O uso de EPI (óculos de proteção e luvas sintéticas) conserva a integridade física do recarregador, por isso use-os mesmo quando trabalhar sozinho. A atenção a determinadas regras de trabalho evitam acidentes e danos ao equipamento e preservam o armamento. Não se deve recarregar munição com sono, irritação ou pressa. A Recarga de Munições deve ser tomada como uma atividade solitária, onde o recarregador não deve ser distraído por música, conversas, pessoas alheias ao trabalho e qualquer coisa que lhe tire a atenção do que está fazendo. Tabaco e álcool são, infelizmente, elementos proibidos dentro de uma sala de recarga. Mantenha sempre a mesa de trabalho organizada e limpa, com cada elemento em seu local, com componentes identificados e guardados quando não em uso. Mantenha uma organização sistemática em sua sala de recarga. Uma “linha de montagem” caótica não pode dar bons produtos. O ato de recarregar munição requer procedimentos, atenção, dedicação e controle para resultar numa munição segura e eficiente.
7 – BOM SENSO
Jamais preparar munição com pressões acima do estabelecido para o calibre;
A Recaga de Munições possibilita infinitas combinações de projéteis e pólvoras. Essa flexibilidade é um dos pontos mais fascinantes do processo de recarga. Porém, toda munição tem especificações, dimensões e limites de pressões que devem ser conhecidos, entendidos e respeitados. Nunca explore combinações que saiam dos limites definidos para determinada munição. Não use componentes desenvolvidos para outros calibres e nem utilize pólvoras impróprias para a munição que se está recarregando. Também não busque desempenho muito superior que o projetado para determinada munição. Se a intenção é extrapolar perigosamente o desempenho padrão de uma munição, melhor trocar de calibre por outro mais forte, evitando-se assim danos irreversíveis ao armamento e a integridade física do atirador. Deflagrar uma munição é fazer uso controlado da queima da pólvora e expansão dos seus gases. Qualquer coisa que desequilibre ou sobrecarregue esse processo resulta em riscos que devem ser evitados. Tenho uma norma para escolher coisas cujo sabor ou intensidade desconheço. Quando me perguntam se quero algo forte ou fraco, respondo “médio”, pois na média nunca há riscos de se decepcionar ou espantar. Serve para se tomar café, serve para a recarga de munições. Na carga “média” não há riscos de ocorrer um Kaboom.
8 – PREVENÇÃO
Jamais usar em suas armas munição ou cargas desconhecidas ou suspeitas;
Nunca, jamais use em suas armas munição montada por desconhecidos ou terceiros em que não se tenha absoluta confiança no seu rigor técnico e conhecimento. Uma munição montada pouco deixa transparecer o seu conteúdo ou a forma como foi elaborada. Além disso, certas combinações podem ser seguras em determinada arma, mas resultam em desastre em outras com características ligeiramente diferentes. Por regra, não aceite munições que não tenham sido elaboradas por você mesmo. Ser prevenido também é ser cético a certas informações passadas por outros colegas. Desconfie de cargas feitas e testadas com pouca base técnica. Cargas passadas por boca geralmente carecem de um controle de velocidade e pressão. Quando comentam que a carga “bate pouco na mão”, “a espoleta fica só um pouco achatada”, “cicla bem na arma” ou “é um tirão”, desconfie da informação e busque outras fontes para saber se aquela dica não vai transformar sua munição em mini granadas.
9 – PRECAUÇÃO
Jamais usar componentes estranhos, exóticos ou suspeitos;
Por precaução se entende a cautela e prudência na escolha de elementos estranhos ou exóticos para montar sua munição. Evite a inventividade brasileira e recorra somente a componentes realmente corretos para determinado calibre ou etapa de recarga. Evite usar coisas estranhas, como paina ou painço, para preencher espaços em estojos de grande capacidade. Esses elementos podem se tornar obstrução dentro de um cano e danificar irremediavelmente a arma. Deve-se evitar prudentemente o emprego de pólvoras e espoletas de origem duvidosa, sem identificação ou com aspecto deteriorado. Também evite a comentada inventividade brasileira em outras etapas paralelas à recarga, tais como a limpeza de estojos. Os norte-americanos gastaram muito tempo e estudo para desenvolver produtos para limpeza de estojos. Aqui no Brasil temos pessoas que usam ácidos, produtos cáusticos e itens de origem suspeita para limpar latão. O resultado sempre é danos à estrutura dos estojos, com comprometimento do componente e perda da sua vida útil. Por precaução, perante uma ideia nova ou inusitada, pergunte: “os norte-americanos usam isso”? Afinal, eles recarregam munição há quase 160 anos. Já cometeram toda burrada que poderíamos imaginar.
10 – MÉTODO
Desenvolver sua recarga seguindo parâmetros científicos ou controlados;
Ter método na prática da Recarga de Munições significa ser minucioso, meticuloso, detalhista, preciso, rigoroso, cuidadoso, acurado, esmerado, etc. Procure sempre desenvolver sua atividade de recarga seguindo parâmetros científicos ou controlados. Faça anotações de suas experiências, consulte manuais e informativos técnicos, busque subsídios com pessoas mais experientes, troque informações com os colegas e registre tudo com base científica. Muitos não têm proficiência técnica ou capacidade detalhista, mas quanto mais cuidadoso for o trabalho de montagem de munições e mais completo o registro de suas combinações, mais segurança e bons resultados serão obtidos. Pense na recarga como uma linha de montagem, com cada etapa segmentada e cheia de detalhes e observações. Fazer etapas de forma displicente ou bagunçada é certeza de ter maus resultados.
Em síntese, a Recarga de Munições se apresenta como um hobby rico e fascinante, mas requer grande responsabilidade e dedicação. Para a sua prática, siga os 10 Mandamentos aqui apresentados que ela se tornará uma atividade produtiva e segura.